quinta-feira, 17 de junho de 2010

O LIMIAR

Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia,
Eu não encho mais a casa de alegria.
Os anos se passaram, enquanto eu dormia...
Eu não tenho mais a cara que eu tinha
No espelho essa cara não é minha
È que quando me toquei achei tão estranho
A minha barba estava deste tamanho
Não vou me adaptar, adaptar.
(Não vou me adaptar – Arnaldo Antunes/Nando Reis)



INTRODUÇÃO

Observa-se que há diversas psicologias preocupadas, cada uma delas, com uma determinada fase da vida do ser humano. Têmos, então, as psicologias da infância, da adolescência, da idade adulta, da meia-idade e da velhice.
Porém sobre o limiar, entre a idade adulta e a velhice, pouco se tem pesquisado e estudado, apesar desse período ser de extrema importância no processo do desenvolvimento individual. O limiar, pode provocar crises de intensidade tão grande ou maior que as da adolescência.
Na casa dos cinqüenta e sessenta anos os indivíduos ainda não são velhos; porém, não estão mais na meia-idade. Assim, sentem-se deslocadosn e acham que, no mundo, já não há mais espaço para eles. Muitos foram demitidos dos empregos ou “convidados” à aposentaria, em função dos planos de reestruturação das empresas, perdendo, então, os amigos e o status social. Em casa, onde antes reinavam absolutos, sentem que perderam o respeito dos familiares.
É um momento crucial, pois instala-se na psique um conflito que gera cobranças, culpas, sentimentos de derrota, ódio e raiva de si mesmos.
Os valores morais, éticos, religiosos e políticos, que até o momento os direcionaram e guiaram pela vida, são questionados com veemência. Nada, ou quase nada, faz sentido agora. Vão envelhecer, e a velhice é o final de tudo. Eles não entendem a velhice como uma fase que proporcionará maior crescimento interior e a consolidação da sabedoria; sentem, somente, que ela é o prenúncio da morte.
A depressão surge como a grande aliada, pois proporciona os ganhos secundários junto aos familiares e amigos. Começam, então, uma peregrinação, sem fim, pelos consultórios médicos na busca da cura para uma doença que não existe. Procuram o alívio para uma dor que é psíquica.
Mediante a observação desses fatos percebe-se a necessidade de estudá-los mais profundamente, objetivando proporcionar aos indivíduos, nessa fase, as condições para que se encontrem e façam a passagem, para a última etapa da vida, com dignidade.
Para compreender esse momento do ciclo vital, é necessário o estudo e o entendimento da psicologia do desenvolvimento adulto, com particularidade na meia-idade e na velhice.
Através do conhecimento das duas fases, meia-idade e velhice, pode-se entender o momento crucial do limiar e, assim, permitir a possibilidade de ajuda e orientação àqueles que estão atravessando essa crise final.
O limiar é um doloroso momento de confronto entre os todos os valoresque foram adquiridos, no decorrer da vida, pelas imposições sociais, políticas e religiosas e, aqueles que realmente vêm da alma de cada pessoa, através da manifestação do seu Self.
Este trabalho está dividido em seis capítulos, que discorrerão sobre a jornada do desenvolvimento adulto.
No primeiro capítulo, a velhice será apresentada através das óticas: religiosa, filosófica social e mitológica.
O capítulo dois estará mostrando as diversas teorias sobre o desenvolvimento adulto, dando-se, porém com ênfase à Teoria da Individuação de C.G.Jung. Também, nesse capítulo, será discutido o ciclo vital do ser humano, os problemas sociais enfrentados pelo indivíduo na meia-idade.
O capítulo três estará versando sobre a meia-idade em si, onde se discutirão a metanóia, as buscas interiores e o processo de transformação para a segunda metade do ciclo vital.
O capítulo quarto discorrerá sobre o Limiar propriamente dito.
No capítulo cinco, sob o título “O Confronto”, se observará como o indivíduo, além de ter que se despir da sua persona terá também que confrontar-se com a sua própria sombra fazendo o seu mergulho nos ínferos do inconsciente.
O ressuscitar renovado desses ínferos do inconsciente será abordado no sexto capítulo, onde, também, se discutirá o encontro com a alma, a tomada de consciência de si-mesmo e a própria individuação, na segunda metade da vida
O capítulo sete estará aberto às conclusões e considerações finais.
Lembra-se, ainda, que este trabalho foi focado nas pesquisas bibliográficas e qualitativas, feitas por meio das lógicas empíricas e científicas, levando-se em conta a interpretação dos fenômenos psíquicos trazidos pelos pacientes nos processos analíticos, através do estudo e da análise de casos clínicos.



1 O Desenvolvimento Adulto

1. 1 A Psicologia do Desenvolvimento Adulto

Somente nos meados do século XX é que houve a preocupação de entender o desenvolvimento da personalidade do adulto.
Uma psicologia da personalidade adulta é estabelecida, por psicólogos como: Carl Gustav Jung, Charlotte Bühler, Daniel Levinson, Erick Erickson, Nevitt Sanford e Robert Havinghurst, reconhecendo que a personalidade humana se desenvolve durante todo o decorrer da vida. Eles buscaram entender e analisar o enfrentamento, pelo adulto, das diversas tarefas as quais se deparam nas diferentes etapas do ciclo vital.
Argumentavam que a vida tinha uma estrutura básica de desenvolvimento, regida por um princípio comum e assim, mesmo que cada indivíduo tenha um caráter único, o desenvolvimento adulto segue uma seqüência padronizada e previsível. Mediante essa visão, eles criaram diferentes teorias para explicar o desenvolvimento adulto:

Charlotte Bühller: A Teoria da Auto-realização

Charlotte Bühller, psicóloga alemã, dos meados do século XX, foi influenciada pela neofreudiana Karen Horney, Acreditava que a teoria freudiana não abriria espaço para o papel essencial do Self: a autodeterminação. Via o Self como o núcleo psicológico, voltado para os propósitos e sentido da vida humana.
Para ela o ego, muitas vezes, é a manifestação dos interesses da realidade individual, e não representa adequadamente a personalidade como um todo, pois tem a sua realidade transcendente e suas profundezas inconscientes. Já o Self, é o centro da personalidade. Consiste de um sistema nuclear de organização, seleção e integração da multiplicidade de tendências da motivação no sentido da auto-realização
O grau de desenvolvimento das pessoas esta baseado na autonomia, na autenticidade e na coerência entre os valores e a realidade da vida.

Daniel Levinson: A Teoria da Estrutura da Vida

Daniel Levinson, da Universidade de Yale, nos Estados Unidos da América, desenvolve a sua teoria, de abordagem holística, baseando-se unicamente no desenvolvimento masculino, na meia-idade.
Portanto, seus estudos estão limitados aos homens, não se sabendo, ainda, se são aplicáveis às mulheres.
Segundo Levinson, a estrutura da vida de todas as pessoas desenvolve-se por uma seqüência, relativamente ordenada, de fatores no decorrer dos anos da maturidade constituindo, assim, uma série de períodos estáveis, porém, alternados.
As pessoas passam por isso ao tomar decisões essenciais, que normalmente são relacionadas ao casamento, à carreira, à família etc.
Nesses períodos de transição elas eliminam as estruturas já existentes criando, então, a possibilidade para outras novas.
É nesses momentos de transição que surgem as crises e as oportunidades de mudança de vida.

Nevitt Sanford: A Teoria Holística

Psicólogo americano da Universidade da Califórnia em Berkeley, Sanford, não aceitava a teoria psicanalítica. Para ele, o desenvolvimento da personalidade não se completava na infância, mas durante todo o ciclo vital. Via cada personalidade como uma totalidade, uma Gestalt viva.
Para ele o organismo humano é um sistema que se regula se reflete e se determina mesmo que parcialmente. O desenvolvimento da personalidade deve ser compreendido através do sistema social e do contexto cultural, no qual o indivíduo está inserido.
Enfatiza a integridade da personalidade através da interconexão das partes com o todo, isto é, a relação do conjunto da personalidade com o conjunto da cultura e do sistema social.
A base de sua teoria enfatiza o fato de que a mudança no desenvolvimento da personalidade adulta ocorre pela interação dos desafios da vida e da descoberta de si mesmo.

Robert Havinghurst: A Teoria da Socialização

Participante de um grupo de psicólogos americanos que partilhavam o desenvolvimento da personalidade humana, como conseqüência de uma dinâmica organicista, Robert Havinghurst, ministrou cursos sobre o assunto nas universidades de Nova York, Chicago e Berkeley
Sua teoria tem como base o desenvolvimento biológico e as expectativas sociais que se alteram durante o ciclo da vida, orientando e dando força e substância para o desenvolvimento da personalidade.
Sugere algumas áreas de interesse as quais estariam enriquecendo o estudo do ciclo vital da personalidade: a mudança de profissão , quando na meia-idade, a percepção do envelhecimento e da velhice pelo Self, pela família e pela comunidade.
As mudanças do vigor físico, da saúde, das atividades de lazer, da atitude diante da possibilidade da morte, também devem ser observadas no estudo do desenvolvimento da personalidade adulta.

1.2 A Teoria do Desenvolvimento Psicossocial - Erick Erickson

Psicólogo alemão do séc. XX trabalhava como artista plástico até iniciar sua análise com Ana Freud, tornando-se depois, um analista.
Preocupado com o social, direciona o seu estudo ao desenvolvimento psicossocial do ser humano, nos seus primeiros vinte anos de vida; e depois à vida adulta.
Os seus estudos sobre Lutero e Ghandi direcionaram a sua atenção ao desenvolvimento adulto e às tarefas de desenvolvimento, ligadas a essa etapa do ciclo vital
Erickson entendia que a personalidade, na sua essência, se desenvolvia constantemente. Esse desenvolvimento, psicossocial, provém das crises causam, de uma maneira ou de outra, uma mudança na vida do indivíduo. Os conflitos, causadores das crises, nunca são totalmente resolvidos e continuam ocorrendo mais tarde na vida do indivíduo.
Para ele, cada crise vem para preparar uma próxima, estabelecendo, assim, uma nova base para a idade adulta. Essas crises advêm das novas tarefas da vida, que podem resultar num desenvolvimento bem sucedido ou num prejuízo ao ciclo vital, o que irá se agravar com futuras crises.
Afirma, ainda, que o indivíduo adulto tem a necessidade de se sentir necessitado para não sofra uma deformação mental de auto-absorção. Se isso ocorrer ele se tornará seu próprio filho ou animal de estimação.
Na fase final do ciclo da vida a integridade do ego opõe-se à desesperança; mas se houver uma solução de sucesso isso o levará à sabedoria. Então,fortalecido pelo julgamento maduro, o homem sábio é capaz de aceitar o seu ciclo vital único como algo que tinha de ser e que, necessariamente, não permitia substituições. Somente uma integridade como essa pode equilibrar o desespero de saber que uma vida limitada está chegando a uma conclusão consciente, apenas uma integridade como essa pode transcender o insignificante desgosto sentir se acabado e superado. (Erickson, apud Staude,1990, p.34)
Como para ele, o ciclo da vida é um elo de entrosamento circular entre as gerações, uma resolução de sucesso nessa última fase é de importância vital, pois a confiança infantil, como sendo a primeira força do ego, dependerá da integridade adulta, para que jovens e velhos desenvolvam-se mutuamente.

1.3 A Teoria da Individuação – Carl Gustav Jung

Jung (Suíça 1875/1961) deixou uma grande obra sobre a psicologia.
Foi discípulo e colaborador de Freud, com quem rompeu em 1913.e, desenvolveu uma nova teoria psicológica: a da psicologia analítica.
Sustentava a idéia de que a pessoa é um todo, isto é, o homem não luta para se tornar um todo, ele nasce como um todo. Entendia a psique como sendo uma série de sistemas variados atuando entre si.
Para Jung, a psique dividia-se em três níveis: a consciência, o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo.
A sua preocupação maior foi com o desenvolvimento adulto na meia-idade, pois via, aí, grandes possibilidades de transformação na vida adulta.
Numa época onde se via a adolescência como a última fase do desenvolvimento humano, conforme a teoria psicanalítica, Jung apresentou uma nova perspectiva para o desenvolvimento da personalidade. Ele expande a compreensão para o desenvolvimento da personalidade na idade adulta intermediária do ciclo vital.
Anteriormente a Jung, via-se a possibilidade de uma transformação da personalidade adulta somente através de acontecimentos exteriores de suma importância como, por exemplo, um repentino sucesso, um fracasso dramático, um trauma intenso, uma doença gravíssima, uma conversão religiosa ou mesmo através das bruscas mudanças de âmbito político-social.
Jung sugere, então, que as mudanças de desenvolvimento da personalidade ocorrem pelo desencadeamento de uma dinâmica interior da psique, a qual pode ser compreendida através dos sonhos e das imagens mentais do indivíduo.
A essa dinâmica, influenciada pelo arquétipo da unidade, o Self, Jung denominou individuação. A individuação é um processo autônomo e inato, não precisando de nenhum estímulo para que se inicie.
Segundo ele, a personalidade está destinada a se individuar assim como o corpo físico a envelhecer.
Porém,assim como o alimento e os exercícios são essenciais ao desenvolvimento do corpo, as experiências da vida e a educação são de fundamental importância para a individuação da personalidade.
Vale, ainda, lembrar que a individuação é inerente ao ser humano.
Na infância e na adolescência o ego trazido à existência é firmemente estabelecido, e na primeira fase adulta concretiza as bases materiais e familiares para a última fase da vida.
Na meia-idade tem-se o início de um novo processo de desenvolvimento interno, que proporcionará à segunda metade do ciclo vital um caráter diferente daquele da primeira metade.
Pode-se chegar ao conhecimento mais profundo do Self, na meia-idade, e dar mais atenção às estruturas arquetípicas, que para Jung seriam a fonte interior do desenvolvimento da personalidade, da autodefinição, da sabedoria e da criatividade pessoal.
Essas estruturas arquetípicas são os conteúdos do inconsciente coletivo. Jung (1992) os chamou de arquétipos por serem muito arcaicos e servirem como modelo original para a configuração de outras imagens do mesmo tipo. É uma possibilidade de preformação.
Os arquétipos são universais e podem ser observados nos contos da literatura universal e nos mitos das diversas culturas. Eles agem como centro de um complexo, e funcionam como uma espécie de imã que atrai para si as experiências que foram significativas. Os arquétipos mais importantes, atuando na psique, são: a persona - é a máscara com a qual se enfrenta a sociedade na tentativa de ser aceito por ela - anima e animus - são o lado feminino na psique masculina e o lado masculino na psique feminina, respectivamente -, sombra – entende-se que seja a fonte de tudo que possa haver de melhor ou de pior no indivíduo, mas que não são aceitos por ele - e por fim o Self – o princípio organizador de toda a psique, bem como o seu unificador. Harmoniza os diversos arquétipos e suas atuações, sejam nos complexos, sejam na consciência. É ele quem une a personalidade e lhe dá o senso de firmeza e unidade. É o sopro Divino, nas almas.
No período da meia-idade, se lida com as grandes polaridades, que às vezes podem ocasionar uma divisão no Self e na própria vida. Pode-se superá-las parcialmente, promovendo um acordo, por exemplo, entre a anima e o animus, o puer – o arquétipo do jovem - e o senex – o arquétipo do velho sábio -, e tomando consciência da sombra. Algumas figuras arquetípicas, nesse novo período, até então adormecidas, irão, no processo de individuação, desenvolver e enriquecer a vida de forma jamais imaginada. Ao aproximar-se da velhice o arquétipo do velho sábio poderá ser o guia e a inspiração para a sabedoria.
O ego, uma vez individuado, tem condições de desencadear discriminações de grande sutileza nas suas percepções do mundo.
A persona, a anima, a sombra e outros arquétipos do inconsciente coletivo, além dos complexos individuais, expressam-se de uma forma mais sutil à medida que a personalidade se individualiza.
Para Jung somente a conscientização permite a um sistema de personalidade atingir a individuação. Esse é o seu conceito-chave para o desenvolvimento da personalidade.

1.4 O Ciclo Vital

Jung dizia que o ciclo vital poderia ser comparado ao arco traçado pelo sol no decorrer do dia, do nascente ao poente. Nesse seu percurso, o sol, enfrentará algumas nuvens que em determinado momento o ofuscarão, mas sempre ressurgirá mais vigoroso até o esplendor do poente. O mesmo processo se dá com a vida, pois ela passa por diversas etapas até o seu final.
Jung vê o ciclo vital, entre os dois pólos da vida - nascimento e morte -, em etapas: a infância, a idade adulta, a idade adulta intermediária e a velhice. Intermediando cada uma dessas fases, têm-se as etapas de transição: a adolescência, a meia-idade e a última transição da vida.
O enfoque maior, dado por Jung, está na transição da meia-idade e na vida adulta intermediária.
Na meia-idade a sombra se manifestará e se confrontará com a persona por meio dos atos inconscientes, das projeções, das depressões e até mesmo das doenças somáticas, personificando aquilo que, na sua vida, foi impedido de se expressar.
Esse confronto restabelecerá, então, a ligação do sujeito com a qualidade humana, pois a sombra traz consigo a energia bruta da vida para ser conscientizada e produzir a mudança e a renovação.
A meia-idade, diz Stein (2007), é uma crise do espírito. É o momento em que as pessoas vivem o instante de realinhamento da vida com o mundo, tendo um significado psicológico e religioso que transcendem as dimensões sociais e interpessoais.
Na velhice, a última etapa da idade adulta, a importância maior é dada aos valores espirituais e culturais, pois a energia física e as potencialidades entram em declínio, além de haver o distanciamento dos amigos e dos familiares. Jung acreditava que:

...um objetivo espiritual que transcende o homem puramente natural e sua existência mundana constitui uma necessidade essencial para a saúde da alma. (Jung apud Staude, 1990, p.119).

Para ele, esses objetivos espirituais não estavam ligados, ou mesmo limitados, àqueles disseminados pelas religiões. Dizia que através dos sonhos e das fantasias o indivíduo pode entrar em contato com o seu espírito guia, com a sua vocação e com os seus valores mais profundos.
Em cada etapa da vida o homem tem uma tarefa de desenvolvimento para realizar, que lhe permite a possibilidade do crescimento e do desenvolvimento da personalidade. Porém, cada mudança é precedida de uma intensa crise que o obriga a rever todos os valores espirituais, morais religiosos e sociais, aos quais se apegou na etapa anterior.
Esse é o caminho da individuação.

1.5 O Mal-estar Social

Os povos antigos, principalmente os gregos, viam o envelhecimento, em sendo inevitável, como um processo positivo que permitia ao homem a aquisição do conhecimento e o desenvolvimento da sabedoria.
Os velhos eram respeitados por todos os seguimentos da sociedade, pois eram eles os guardiões dos costumes e dos valores de cada povo. Eram eles que formavam os conselhos que administravam a coisa pública e que julgavam os indivíduos.
Platão acreditando que a velhice conferia aos homens melhores condições de lidar com o poder, na sua proposta para à Polis, cria um programa de educação para as pessoas com cinqüenta anos ou mais, pois somente elas seriam capazes de exercer a “dialética” e estariam aptos a governar.
No mundo moderno com uma sociedade capitalista e consumista globalizada, a outrora respeitada velhice é vista, quando não como objeto de ganho econômico e político, como um peso social. Ao velho, comum, são tirados e vedados todos e quaisquer papéis de relevância na sociedade. Proíbe-se-lhe, de forma velada, o trabalho reduzindo assim o seu poder de influência nos diferentes setores da sociedade.
Homens e mulheres no auge de suas capacidades mentais são relegados ao ostracismo.
No século XX, as sensações, a aparência e a imagem passam a ser cultivadas como valores fundamentais da vida, em detrimento da honestidade há integridade da religiosidade e da sensibilidade. Um texto de Hebert Viana reflete bem essa situação, na atualidade:

Hoje, Deus é auto-imagem. Religião é dieta. Fé, só na estética. Ritual é malhação... Gordura é pecado mortal. Ruga é contravenção... Estria é caso de polícia. Filho da puta bem sucedido é exemplo de sucesso... A sociedade consumidora, a que tem dinheiro, a que produz, não pensa mais em nada além da imagem, imagem. Imagem, estética, medidas, beleza... Adultos perdem o senso em busca da juventude fabricada... (Viana apud Monteiro, 2008, p.57)

A felicidade está na boa forma de um corpo saudável, que reflete um padrão de juventude. Ser “eternamente” jovem é tão necessário que se procura apagar as marcas do tempo através de diferentes artifícios.
O envelhecimento é negado até ao próprio espírito, quando se diz que: “o corpo é velho, mas o espírito é jovem”. Isso significa negar que o amadurecimento do espírito ou da alma tenha alguma importância. Enfim a velhice é algo da qual se deve fugir mesmo que para isso sejam sacrificados o corpo e a alma.
Numa sociedade onde a velhice é denegrida, os homens tendem a se esforçar nas suas atitudes machistas enquanto as mulheres buscam permanecer jovens. As pessoas devem ser produtivas, pois situações como a aposentadoria marginalizam o individuo, fazendo-o se sentir um cidadão inferior.
A situação de um paciente na casa dos cinqüenta e um anos de idade, que se viu aposentado em função de um programa de “renovação” da empresa, na qual trabalhava há mais de vinte e cinco anos, está nesse contexto. Conforme a sua queixa, perdeu o respeito da mulher e dos filhos por não ter o que fazer. Cobram-lhe um trabalho, o qual é impossível por causa da sua idade. Os amigos, que eram os seus colegas de trabalho, se afastaram. Entediado e sentindo-se humilhado voltou-se para o álcool. Diz ser um fracassado. Culpa-se pela vida que levou até esse momento, e questiona os seus valores éticos e morais e a sua falta de realização. Achava que acumulando coisas poderia proporcionar a si, uma velhice de qualidade. Toda a sua vida foi ancorada no ter e no poder. A espiritualidade a sensibilidade quase não existiram.
Situações como essa são comuns nos dias de hoje. Homens e mulheres que são alijados de seus valores sentem-se perdidos perante a nova realidade, a visão da velhice próxima, e isso os aterroriza, pois o ser humano moderno não está preparado para envelhecer. O mundo moderno e consumista exige que se mantenham jovens.
Prétat, (1997) concorda com M. E. Harding, ao falar da necessidade de haver um processo de orientação e ajuda para as pessoas que estão envelhecendo. Diz que é importante que essas pessoas sejam afastadas do trabalho anterior, das atividades e da necessidade que têm em permanecer sempre jovem. Salienta, ainda, que as visões de Freud e Adler ajudam os indivíduos a se ajustarem às tarefas da juventude, porém somente Jung é quem aponta uma perspectiva mais adequada aos problemas do envelhecimento. Argumenta, também, que o desapegar-se dos assuntos do mundo exterior, é condição básica para a criação espiritual, a qual não deve ser menos importante do que aquelas criações dos períodos anteriores da vida.
O desprezo com o qual se costuma tratar os idosos, e a obsessão que se tem por manter a forma do corpo é uma maneira de se disfarçar o pavor pela inevitabilidade da morte. A tentativa de desconsiderar o final da própria vida aprisiona o indivíduo aos seus antigos complexos, como uma forma de retardar a morte da antiga maneira de ser.
Dar continuidade à vida pode levar inevitavelmente à morte física e ela deve ser evitada.
Para Jung o conhecimento da realidade da morte era de extrema importância na promoção do desenvolvimento adulto. O conhecimento dessa realidade permitiria uma maior espiritualização do individuo, ajudando-o no caminho para a individuação.

2 - As Imagens da Velhice

Este último período do ciclo vital está embutido no período adulto. Não se dá muita importância a ele por ser um momento considerado improdutivo.
A velhice, de uma forma geral é vista como um período da vida não muito definido. Acham-no contraditório e confuso de acordo e tem certa relevância no momento e na época em que estiver inserido.
Para Calvin e Nordby (1991), na velhice o indivíduo procura considerar a possibilidade, que surge na sua consciência, de uma vida futura, mas ao mesmo tempo é tragado pelo inconsciente onde se dissolve. Consideram que Jung, sugeriu a possibilidade dessa vida futura fundamentando-se nas crenças defendidas por inúmeras pessoas - de vários matizes culturais -, nas religiões de todos os povos, além dos temas de muitos sonhos e dos mitos.
Para os povos do antigo oriente, a velhice era o período da plenitude. Ao alcançá-la os indivíduos, adquiriam o respeito, o conhecimento, a liberdade pessoal e a sabedoria; ficando, portanto aptos para o desempenho de papeis importantes como os de conselheiros, de chefes, de curadores, de sacerdotes e de juízes. Eram os guardiões dos costumes, da moral e da cultura do povo.
O filósofo chinês, Confúcio (551-479 a.C), dizia sobre a velhice:

Aos quinze anos, eu me aplicava ao estudo da sabedoria; aos trinta, consolidei-o; aos quarenta, não tinha mais dúvidas; aos sessenta, não havia mais nada no mundo que me pudesse chocar; aos setenta, podia seguir os desejos do meu coração sem transgredir a lei moral. (Confúcio, apud Beauvoir, 1990, p.113)

Já, no ocidente essa última fase do ciclo vital era vista com algumas restrições. Beauvoir (1990) narra que no Egito antigo, onde a beleza e o vigor físico eram cultuados, Ptah-hotep, poeta e filósofo que viveu em 2.500 a. C., escreveu:

Como é penoso o fim de um velho! Ele se enfraquece a cada dia; sua vista cansa, seus ouvidos tornam-se surdos; sua força declina; seu coração não tem mais repouso; sua boca torna-se silenciosa e não fala mais. Suas faculdades intelectuais diminuem, e lhe é impossível lembrar-se hoje do que aconteceu ontem. Todos os seus ossos doem. As ocupações que até recentemente causavam prazer só se realizam com dificuldade, e o sentido do paladar desaparece. A velhice é o pior dos infortúnios que pode atingir o homem. O nariz entope, e não se pode mais sentir nenhum odor.
(Ptah-hotep, apud Beauvoir, 199, p.114)

Beauvoir (1990) narra que aos cinqüenta anos os homens atingiam a plenitude nas sociedades antigas, mas aos setenta deixavam os seus cargos para se prepararem para a morte.
Essas regras cabiam somente aos homens, pois eram eles quem governavam, acumulavam as riquezas e lutavam pelas conquistas de terras, e dirigiam as manifestações religiosas.
À mulher cabia o papel de procriar cuidar da prole e dos homens; somente com velhice elas eram respeitadas e ouvidas pela família.
A dicotomia que se tem hoje em relação à importância e o papel dos velhos na sociedade capitalista e globalizada, advêm daquele período de formação e implantação do patriarcado.
Hoje, ao se olhar para a situação dos velhos na sociedade deve-se, repensar o seu papel, como agente transformador e, também responder à questão:
Deve-se valorizar a produtividade da juventude ou a experiência da velhice?

2.1 A Imagem Bíblica

Dentre os povos antigos, os hebreus foram aqueles quem, de início, mais respeito e consideração tiveram para com os seus velhos.
De origem semita, diferenciavam-se dos outros povos pela sua religião monoteísta e patriarcal. Eram nômades e se dedicavam ao pastoreio. Por volta de 2.000 a.C. saíram da cidade de Ur, na Mesopotâmia, conduzidos pelo patriarca Abraão, para se estabelecerem na Palestina, a mandado do seu Deus Javé.
Essa migração tinha a ver com a necessidade de se cultuar o Deus único e masculino, o qual conflitava com o panteão das deusas dos povos visinhos.
A religião judaica estava assentada sobre dois importantes pilares: o monoteísmo e o messianismo.
O monoteísmo era a crença em um Deus único, criador de todo o universo; enquanto que o messianismo estava na crença de que um enviado desse Deus viria para conduzir os crentes à salvação eterna.
Os hebreus viam a velhice como uma dádiva, da qual somente eram merecedores aqueles que cumprissem os preceitos de Deus:

Amando ao Senhor teu Deus, dando ouvidos às Sua voz, e te achegando a Ele; pois Ele é a tua vida, e a longura dos teus dias para que fique na terra, que o Senhor jurou a teus pais, a Abraão, a Isaac e a Jacó, que lhes havia de dar. (Deut. 30.20)

Os patriarcas eram quem chefiavam e conduziam o povo, mais em função das suas experiências e sabedoria, adquiridas com o avançar da idade, do que pela sua força.
Abraão, Isaac, Jacó (Israel), Moisés e Josué foram os grandes patriarcas do povo hebreu. Após a morte de Josué, passaram a ser governados pelos juízes, que eram os chefes políticos, os militares e os sacerdotes, com destaque nas tribos. Representavam, portanto, cada uma das doze tribos, que formavam o povo hebreu. As decisões eram tomadas e os atos julgados por esse colegiado.
Os juízes que mais se destacaram foram: Gideão e Jefté, os generais; Samuel, o profeta; e Sansão o homem de força descomunal, que sucumbe aos encantos de Dalila.
Após a era dos juízes vieram os reis, dentre os quais se destacaram Saul, o primeiro rei; Davi, o poeta e Salomão, o sábio.
É interessante observar que em cada uma dessas fases de comando, a velhice aparece com uma conotação diferente, e perde o seu grau de importância.
À medida que o povo hebreu foi se consolidando como nação fixa-se na região e cria uma sociedade com uma economia das mais sólidas para a época
Com isso os velhos deixaram de ser os grandes líderes e guias políticos passando, então, o poder aos mais jovens, pois estes apresentavam um potencial produtivo e reprodutivo maior.

E disseram-lhe: Eis que estás velho, e teus filhos não andam mais pelos teus caminhos. Constitui-nos, pois, agora um rei sobre nós, para que ele nos julgue como o têm todas as nações. (I Sam. 8.5)

Foram eles, os hebreus, quem mais tiveram influência sobre as civilizações atuais, pois a sua religião, o judaísmo, influenciou tanto a formação da civilização cristã quanto, na mulçumana. Os arquétipos e mitos que atuam nessas civilizações,Cristã, judaica e mulçumana, também foram calcados na crença no Deus masculino e único.

2.2 A Imagem Filosófica

A filosofia, como fonte do conhecimento do pensamento humano, tem seu ápice, na antigüidade, por volta de 700 a.C., na antiga Grécia.
É ela quem traz o saber racional permitindo uma nova forma de pensamento, bem como um novo sistema para a explicação dos fenômenos físicos e psíquicos, que não o mítico.
O filósofo ateniense Sócrates (468 - 399 a. C.) que postulava ser a alma - psyché - o diferencial entre os seres humanos e os animais; pois era ela a sede da racionalidade, da inteligência da ética, da consciência, da personalidade e da moral; que permitia ao homem sobrepor-se à irracionalidade dos instintos; foi quem à época demonstrou preocupação com os idosos.
Beauvoir (1990) relata um diálogo entre Sócrates e Céfalo, seu amigo, onde este exalta a velhice:

Céfalo - Quanto mais se enfraquecem os outros prazeres – os da vida corporal – tanto mais crescem, em relação às coisas do espírito, minhas necessidades e alegrias.
Sócrates -: É no contato com os velhos que somos instruídos. (Platão, apud Beauvoir, 1990, p.135
)

Aristóteles e Platão também, apesar de conclusões opostas, fizeram suas reflexões sobre a velhice.
Platão (427-347 a.C.) vê a velhice através das suas convicções políticas.
É ele quem define a cabeça como o local onde a alma se alojava, no corpo humano e, preconizava que com a morte essa alma ficaria livre para ocupar outro corpo.
Platão afirmava que a velhice fazia surgir nos seres humanos um grande senso de paz e liberdade, sendo que os velhos deveriam mandar e os jovens obedecer.
Na República, Platão estipula que os corregedores, que controlavam os magistrados deveriam ter de cinqüenta a setenta e cinco anos de idade; os guardiões da lei, entre os cinqüenta e setenta anos e os de sessenta anos não podiam embebedar-se nos banquetes.
Em as Leis insiste nas obrigações dos filhos para com os pais, e exalta o culto aos antepassados:

Não podemos possuir nenhum objeto de culto mais digno de respeito do que um pai ou um avô, uma mãe ou uma avó, oprimidos pela velhice. (Platão, apud, Beauvoir, 1990, p.136)

Aristóteles (384 – 322 a. C.), discípulo de Platão, achava que todos os seres vivos teriam uma alma, fosse ela vegetal animal ou humana. Em Da Anima, que é considerado o primeiro tratado em psicologia, estuda a diferença entre a razão, a percepção as sensações.
Para ele a velhice seria boa se o indivíduo não sofresse nenhuma enfermidade, sendo necessário para isso se ter um corpo saudável. Na Retórica, ele escreve sobre a velhice:

Uma bela velhice é aquela que tem a lentidão da idade, mas sem deficiências. Ela depende ao mesmo tempo das vantagens corporais que se poderia ter, e também do acaso. (Aristóteles, apud, Beauvoir, 1990, p.136)

Ainda segundo Beauvoir (1990), Aristóteles dizia que o homem só progride até os cinqüenta anos, pois o declínio físico o atinge por inteiro: corpo e alma. Via ainda o velho como sendo aquele indivíduo que passou toda uma vida a se enganar, portanto não pode se achar superior aos mais jovens, que não acumularam, ainda, tantos erros quanto ele. Os velhos deveriam ser afastados do poder, por serem indivíduos enfraquecidos imprudentes e sem virtudes.

2.3 A Imagem Social

O processo do envelhecimento é natural, mas em função das exigências sociais torna-se doloroso e discriminatório. O envelhecer para sociedade, é uma doença que afeta toda a não só o indivíduo que entra nessa fase, mas também à sua família.
O envelhecer, hoje, já é considerado um problema de saúde pública. Os governos e as instituições; que vivem da exploração política e econômica desse novo filão; criam programas mirabolantes para solucionar um problema que na realidade foi criado pela própria estrutura social.
Toda a sociedade brasileira, durante um bom período, teve a consciência de que era um pais de jovens. Não foi pensada, portanto, a possibilidade do envelhecimento da população num curto espaço de tempo. Assim a velhice se torna algo repugnante, que só tem uma finalidade: a morte.
Para Beauvoir (1990), a velhice é uma simetria da infância a qual o mundo adulto não consegue estabelecer uma reciprocidade. Vê também, socialmente, a velhice mais como um problema masculino do que feminino, uma vez que o sustento da família é condicionado, na maioria das vezes ao homem. Ao envelhecer o homem perde o seu status de provedor e comandante da família, assim a relação, filhos e pai, passa a ser feita através da mãe. De outra forma, a mulher idosa também experimenta a rejeição através das filhas, que como na infância têm no pai o herói.
Hoje, para os adultos, no mundo capitalista e globalizado, a velhice passou a ser uma fonte de exploração e renda.
Vê-se multiplicar o número de clínicas e casas geriátricas, programas de “inclusão social do idoso”, centros de convivência e até mesmo a facilitação, ao velho, de empréstimos financeiros. Assim, ficar velho é ser explorado tornando-se, também, um alienado

2.4 A Imagem Mitológica

Hollis (2005) questiona a capacidade do ser humano examinar os padrões da natureza e as harmonias do coração sem entender os movimentos eternos dos mitos, uma vez que estando ligadas ao mundo material, as pessoas, perderam o contato com aquilo que é transcendente.
Houve uma ruptura total com as nossas imagens tribais as quais durante muito tempo levaram nossos antepassados à interação com o cosmos, com as divindades, com as tribos e, por fim, com o próprio Self.
Com isso a sabedoria instintiva perdeu-se da mente consciente, escondendo-se nas profundezas do inconsciente e, se manifestando, por ter sido preterida, através das patologias.
O cientificismo, nos últimos séculos tomou conta do pensamento humano.
O homem, praticamente, ficou isolado da sua consciência universal. A divindade o abandonou!
Ainda no pensamento de Hollis (2005), observa-se que a maioria das psicologias, ditas modernas fragmentaram o indivíduo em comportamentos, cognições e neurologias, que serão tratadas através das reprogramações, das modificações e da própria farmacologia. Porém nada disso terá o efeito da cura desejada se não tiver a coragem de escutar a própria alma doente.
A esse respeito Jung dizia:

O homem sente-se isolado no cosmo, porque não se encontra mais envolto pela natureza... fenômenos naturais... foram aos poucos perdendo suas implicações simbólicas. O trovão não é mãos a voz de um deus irado, nem é o relâmpago seu míssil vingativo. Nenhum rio contém um espírito, nem uma árvore é o princípio da vida,... nenhuma cobra a encarnação da sabedoria, nenhuma caverna na montanha a casa de um grande demônio. Nenhuma voz fala ao homem através das pedras, plantas e animais, nem o homem fala com eles acreditando que eles possam escutar. Seu contato com a natureza está perdido e, com isso, a energia emocional profunda que essa conexão simbólica fornecia. (Jung, apud Hollis, 200, p.19)

Para Hollis (2005), a psicoterapia profunda se faz necessária em função das perdas das mitologias tribais, que puseram um fim ao locus místico, provocando no homem moderno o desespero, os vícios, a depressão e, para alguns ainda, a entrada, alienada, nos movimentos de massa, sejam eles políticos ou religiosos. Isso tudo representa a incômoda passagem por um mundo vazio, carente dos nossos mitos.
Portanto, ele afirma que a principal tarefa da psicologia profunda é proporcionar ao indivíduo uma vida mais ampla, e mais espiritualizada, e não, como na maioria das psicologias contemporâneas, que procura somente o alívio para os sintomas, às mudanças de comportamento e cognitivas, e às intervenções farmacológicas. Todas essas técnicas atuam na “superfície da psique”, sem levar em conta os nossos desejos mais profundos e as nossas necessidades espirituais. Hollis (2005, p.23), afirma que o aprofundamento da espiritualidade, compreendido de maneira ampla, é a principal necessidade da maioria das pessoas que cruzam nossas fronteiras terapêuticas.
Conhecer as religiões, a história e as mitologias são essenciais, pois:

...todas as figuras míticas correspondem às experiências psíquicas internas e surgiram originalmente delas. Os mitos são revelações originais da psique pré-consciente, afirmações involuntárias sobre acontecimentos psíquicos inconscientes, nada menos do que alegorias de processos físicos. (Jung, apud Hollis, 2005, p.44)

Observa-se que no limiar para a última etapa do ciclo vital as neuroses são desencadeadas com maior freqüência, o que leva o indivíduo aos consultórios psiquiátricos na busca da cura, externa, para os seus males.
Porém, é preciso entender que as neuroses, segundo Jung, devem ser vistas como o sofrimento daquela alma a qual não descobriu, ainda, o próprio significado.
Para ele a neurose não era apenas uma forma de defesa da psique, mas, também, um esforço na busca para a cura para das suas feridas.
Assim, as causas das neuroses não devem ser buscadas no passado do sujeito; devem ser encontradas no seu presente e, a cura tentada através do entendimento dos seus próprios mitos.
O entendimento desses mitos é que levarão indivíduo à transformação espiritual, pois, o espírito como princípio dinâmico é quem dará o impulso necessário à descoberta da nova vida que se pode dizer será autêntica e real.
A tentativa do homem moderno em explicar o mundo e a si mesmo, através das doutrinas materialistas e racionalistas, nega à sua alma quaisquer contatos com deuses, sejam pelas religiões ou mesmo através dos mais diversos mitos da humanidade.
Hollis, (2005), comenta que os deuses quando são ignorados, isto é, quando as energias primárias são reprimidas, eles se revelam através das neuroses; tornando-se as feridas vivas, que se manifestam na história da humanidade, que atuam nas famílias e nas sociedades ou, nas deformações das nossas almas em particular. Lançando-se um olhar arquetípico aos deuses, percebe-se que eles são imagens surgidas de uma profunda e misteriosa experiência, vivida pelo indivíduo. Por esse motivo eles estão sempre presentes e se renovando, em si mesmos, na psique da pessoa.
Observa-se, também que eles são energia, e não imagens concretizadas. Se o ego humano buscar consertar, adorar, ou colocar aos seus serviços, essas imagens o deus, por ela representado, morrerá, e irá reencarnar noutro lugar com outra forma. Muito do que se vê na psicologia analítica foi mal interpretado por se pensar que metáforas como anima, animus; persona, sombra e Self, fossem algo concreto.
Com relação ao Self tem-se em vista que ele não é Deus, mas uma metáfora pela qual aquela energia da atividade divina pode ser percebida. Essas atividades são percebidas nos diversos aspectos do ser humano; desde os processos bioquímicos até nos processos oníricos.
Porém deve-se entender que os deuses não morreram, apenas foram substituídos pelo ego, na sua louca tentativa de resistir ao grande vácuo espiritual promovido pela vida moderna.
Hollis (2005) nomina-os como: Poder, Riqueza, Saúde, Prazer e Progresso, que com seus pseudopoderes deixa cada vez mais alienado o indivíduo em relação à natureza, ao outro e a si-mesmo.
Assim a vida humana oscila entre a religião institucional e a medicina, também institucionalizada, não permitindo que o ser humano questione a qual deus ofendeu ou negligenciou naquele seu momento. Sabe-se que essas metáforas são ridicularizadas pelas psicoterapias modernas e institucionalizadas.
Deixam-se de lado os valores de cada alma e os seus valores de independência espirituais, sacrificando o caminho para a individuação ao qual cada um é chamado; em nome das fantasias de poder, dominação e controle.
É importante lembrar de que assim como os predecessores, na história, o ser humano é ainda propenso a idolatria, pois se esquece de que as imagens foram feitas para atingir algo muito além delas: o inefável; e que são apenas símbolos, não são deuses.
Deve-se respeitar aquilo que só os ancestrais sabiam e tinham conhecimento: o lugar autônomo dentro de cada indivíduo o qual lhes permitia sentir a confiança, e se de forma disciplinada houvesse um diálogo, ele, responderia ofertando uma orientação
Sabe-se, porém, quem nem tudo é tão simples como se quer parecer:

Os deuses estão presentes sempre que fazemos as perguntas certas sobre nossa jornada. Saber quais perguntas é a primeira e mais difícil tarefa. Viver as respostas que os deuses nos dão, em vez daquelas que gostaríamos de viver, é o maior desafio. (Hollis, 200, p.172)

No período do limiar, o indivíduo, guiado por Hermes, vai até os ínferos, onde fica até a sua transformação psicológica. Ao emergir desse mundo inferior a psique terá descoberto o seu maniqueísmo e, se compensará com a retomada de certos valores que foram relegados ou excluídos do seu mundo.

3 – A Meia-idade

3.1 O Advento da Passagem

Na passagem da meia-idade há o confronto entre a persona, que se formou durante parte do ciclo vital para que a pessoa pudesse representar o seu papel cultural e social, e o Self com as suas exigências.
Como a persona foi consolidada com o tempo, a pessoa se esquece de quem era, pois a assume como sua própria personalidade. Ao começar o confronto entra em pânico, pois já não sabe quem é na verdade. Sente que perdeu ou está perdendo o poder, a posição social e econômica enfim o status. Logo alguns sintomas característicos começam a surgir.
É comum que passe longos períodos de depressão e de desinteresse pela vida, que tenha a sensação de fracasso e se desiluda com a própria vida e com as pessoas. Os sonhos da mocidade estão perdidos, não há realização ou felicidade. Não há mais tempo para viver, o medo da morte toma conta dos pensamentos.
Há, também, a perda da auto-imagem através das mudanças que ocorrem no aspecto físico, então, o indivíduo sente que já não é mais o mesmo. O espelho lhe mostra isso, pois ao ver-ser nele a pessoa não se reconhece mais.
Observa-se ainda uma sensação de vazio e abandono que é provocada quando os filhos, já crescidos, deixam a casa paterna para cuidarem de suas vidas. A morte dos pais, que geralmente ocorre nesse período, traz a certeza da finitude da vida
Toda essa situação colabora para a quebra da persona, que até então era a identidade psicossocial do indivíduo. Essa quebra promove a emersão da sua sombra, a qual sempre foi reprimida e rejeitada.
Há, também, o confronto com os poderes da anima, no homem e do animus, na mulher, que por algum motivo foram-lhes negados durante parte do ciclo vital. É um momento doloroso! Nise da Silveira, comentando esse momento, diz:

Quanto mais a persona aderir à pele do ator, mais dolorosa será a operação psicológica para despí-la. Quando é retirada a máscara que o ator usa nas suas relações com o mundo, aparece uma face desconhecida. Olhar-se no espelho que reflita cruamente esta face, é decerto ato de coragem. Será visto nosso lado escuro onde moram todas as coisas que nos desagradam em nós, ou mesmo que nos assustam. (Silveira, apud Monteiro, 2008, p. 109)

Também, segundo Jung, a meia-idade traz para o indivíduo, freqüentemente, o desenvolvimento das qualidades sexuais que estiveram adormecidas não estando, portanto, desenvolvidas. Essas qualidades estariam na provocação sedutora e agressiva ou no charme carinhoso e cativante, desses indivíduos. Elas, também, se manifestam através da agressão, do ciúme, da rivalidade, da manipulação e até da amargura, fazendo com que surja um sentimento de culpa por estar transgredindo as regras sociais ou religiosas que foram por eles interiorizadas.
Para López-Pedraza (1999) a sexualidade, nessa fase da vida, trona-se um elemento de transformação da alma do indivíduo, não permitindo que haja a petrificação e a paralisia da psique.
A meia-idade leva o indivíduo à tomada de consciência de si mesmo, pois, é o momento do confronto interno entre as trevas e a luz, o que traz a possibilidade do surgimento de uma nova consciência, permitindo, assim, que o indivíduo faça o seu próprio resgate.

3.2 A Busca do Si-mesmo

Jung argumentava que a grande tarefa do indivíduo quando estivesse na última transição da vida, ou seja, da segunda fase adulta para a velhice, era a síntese e a integração do Self. A essa tarefa cabia adquirir o equilíbrio, a harmonia, e a integridade na personalidade, pelo desenvolvimento das funções psicológicas pouco desenvolvidas. As polaridades como o feminino/masculino, a juventude /velhice, etc., existentes durante toda a vida devem também ser equilibradas promovendo, assim, uma inversão de valores e a reavaliação, na meia-idade, dos compromissos conjugais ou profissionais. Essa tentativa de mudança, mesmo perigosa, levaria o indivíduo aos territórios mais profundos da psique que, mesmo perigosos, o levaria ao encontro com o seu Self.
O encontro com o Self promove a sua estabilização na consciência, como guia para a base de uma nova identidade. A identidade emergente fundamentada nesse Self já não se apoiará em fatores externos, como os modelos parentais, sociais e religiosos. Assim, com o contato direto com o Self o indivíduo torna-se único, pois pode viver com a consciência de Si-mesmo.
Para que haja essa transformação psíquica é necessário que a persona redirecione a sua orientação do ego para o Self, o que é uma tarefa penosa e extremamente dolorida.
Esse redirecionamento é de fundamental importância para o desenvolvimento da personalidade, quando da crise da meia idade.
Murray Stein (2007) sugere que essa passagem pode ser dividida em três etapas: a separação, o limiar e a reintegração.
Na separação o ego necessita livrar-se da persona, mas para que isso ocorra o indivíduo deve confrontar-se com a sua sombra, onde identifica a fonte de sua dor e a enterra através do processo de luto e enterro. Essa situação provoca uma séria crise, pois traz ao sujeito a sensação da derrota eminente. Abre-se, aí, uma imensa lacuna entre o ego e a persona promovendo o questionamento entre o quem se é agora e o quem parecia ser para os outros e apara si próprio anteriormente. É, portanto, um momento extremamente crítico, pois se trata da separação da identidade anterior da persona, a qual se não for absorvida plenamente pode incitar as defesas naturais egóicas a restabelecer o indivíduo à situação anterior na sua identificação com aquela persona.
Para Stein (2007), o período limítrofe começa antes dessa separação se completar, e se o ego não se libertar da sua antiga persona, não pode caminhar livre através dessa fase ambígua do ciclo vital. Ele fica incapaz de enterrar o passado e, se agita entre momentos de nostalgia e remorso. A separação mal resolvida da persona é fruto do desejo natural do ego de negar o acontecimento, além de se recusar a lidar com as perdas e as mudanças a ela, acarretadas. Reconhecendo a mudança apenas no nível consciente, não a fazendo também no o inconsciente, os “mortos” ficarão apenas escondidos e não enterrados definitivamente, podendo assim voltar a assombrar o ego.
No limiar acontece a separação do antigo padrão de organização da libido acompanhada por uma série de atitudes que completam a tomada de uma nova consciência. Acontece um confronto entre o puer e o senex, que ocasiona no indivíduo a decepção consigo mesmo. Essa decepção é infligida pelas negações e repressões que provocam, no inconsciente, algumas identificações subjetivas causando a neurose do puer aeternus.
Nessa situação o indivíduo tem a necessidade de vivenciar a sua eterna criança. Ele, a mantém através dos inúmeros casamentos e de casos, cegando-se às rugas do envelhecimento na tentativa de não permitir a separação da velha persona.
A separação somente acontece quando a antiga persona é de vez sepultada. Para que esse enterro psicológico ocorra, deve-se deixar de perceber a vida pela ótica da juventude e observá-la através da visão da maturidade, do fim e da morte, em função dos limites humanos.
É nesse momento de buscas e descobertas que Hermes se faz presente como o grande facilitador dessa aventura, para dentro, na busca de uma nova e reestruturada personalidade. É, ele, conforme Jung, o arquétipo do inconsciente, pois sua principal função olímpica era ser o grande mensageiro dos deuses. Era o único deus que tinha acesso ao hades, fazendo a ponte entre o olimpo e os ínferos. No processo do limiar, quando o mergulho no inconsciente é fundamental, precisa-se da orientação de Hermes, o psicopompo, para que o ego possa trilhar os caminhos obscuros desse inconsciente, na busca da nova personalidade e fazer o sacrifício da velha persona, obsoleta e desgastada.
Ao analista, segundo López-Pedraza (1999), cabe promover ao analisando a possibilidade hermética de furtá-lo, e também de ser furtado. Pode-se caminhar, nessa fase, com o paciente enquanto tiver algo a oferecer-lhe para o furto hermético e para a sua movimentação retrogressiva. Isso significa a retomada da ligação com os mais diversos e antigos complexos nas diversas fases da história e da memória do paciente. Vê-se, então, o refletir do processo de individuação através de seqüência de experimentos sacrificais ocasionados pelas mudanças e movimentos na personalidade.
É Hermes, o psicopompo, quem guia e orienta o indivíduo nas profundezas do inconsciente, mostrando o momento certo para esse sacrifício.
Após haver feito a jornada pelos obscuros caminhos herméticos do inconsciente, encarar a sua sombra e descartar a velha persona, o indivíduo reintegra-se ao seu Self.
Esse contato é o encontro interior com o divino, e se dá de uma forma religiosa, pois conforme López-Pedraza (1999, p.74), “a religião vive em nós; sua forma ou ausência desta reflete-se em nossa vida diária...”

3.3 A Metanóia

É o momento de grandes transformações e mudanças que provocam o balanço de toda a vida causando o desespero existencial.
Isso acontece quando se constata que aquilo que não foi vivido não poderá mais sê-lo, pois o tempo não retorna.
Tem-se, então, a consciência de que começou o processo de envelhecimento.
O envelhecimento é um acontecimento necessário à vida. Não acontece acidentalmente e, está previsto na genética da alma e do corpo
Ele pode levar o indivíduo à auto-realização da sua totalidade de uma forma plena, permitindo-o a ser ele mesmo.
Proporciona, também, a constatação da decadência do corpo que faz com que a auto-imagem narcísica seja tremendamente afetada.
Jung dizia que:

Freqüentemente reina um falso orgulho que o velho tem de ser como o jovem, ou pelo menos fingir que é... É por isso que a passagem da fase natural para a cultural é tão tremendamente difícil e amarga para tanta gente, agarram-se às ilusões da juventude ou aos filhos para assim salvar um resquício de juventude (...). Não é de admirar que muitas doenças se mantenham no início do outono da vida... Mas antigas receitas não servem mais para resolver os problemas que se colocam nesta idade. Tal relógio não permite girar os ponteiros para trás. O que a juventude encontrou fora, o homem no entardecer da vida tem de encontrar dentro de si... Muitas vezes é necessário perceber o engano de convicções definidas até então, de reconhecer e sentir a inverdade de verdades aceitas até o momento, e reconhecer e sentir toda a resistência e mesmo a inimizade do que até então julgávamos amar. (Jung, apud Monteiro, 2008, p.63)

Considera-se que são três as reações possíveis diante do envelhecimento e associa suas dinâmicas às metamorfoses da alma, descritas por Nietzsche (Nietzsche, apud, Monteiro, 2008, p.63):
A reação negativa que externa a fixação no passado, o saudosismo, a desconstrução e a decadência, que levam o indivíduo à perda da dimensão do agora, está associada ao Camelo que, é quem carrega e suporta o peso do fardo dos valores da vida.
Há, para essas pessoas-camelos, a necessidade de viver somente em função do “já ter sido,” não investindo na sua realidade e no seu próprio ego.
Elas são pessoas que no trajeto da vida abandonaram a si mesmas dedicando-se às necessidades dos outros, como filhos, maridos ou esposas, parentes e amigos.
Em função disso, têm a necessidade do reconhecimento dos outros, pois sem isso o ressentimento e a tristeza, lhes corroe a alma provocando desilusão e a depressão.
A reação involutiva, ligada ao Leão, que é quem mobiliza a potência para manutenção da juventude eterna, demonstra uma regressão ao negar o tempo passado e a idade avançada, não aceitando o próprio envelhecimento. Para essas pessoas-leão a velhice é vista como um mal sendo julgada deprimida, feia e triste, tendo também uma conotação de inutilidade. Para essas pessoas o inimigo pior é o espelho que lhes revela as marcas do tempo. Negam a velhice através da hiperatividade social, sexual ou esportiva, tentando ainda demonstrara extroversão da juventude.
Vêem o envelhecer como se estivessem transitando pela contramão da vida e dos valores sócio-culturais.
Na reação evolutiva o processo vital de desenvolvimento é inserido. É como uma criança que está sempre se renovando.
O indivíduo encara a velhice que como a última etapa do desenvolvimento vital pode trazer novas possibilidades à sua existência, desde que ela seja aceita e compreendida.
Jung (Jung, apud, Hall e Nordby,1991, p.81) conceituava a metanóia como o período das mudanças de mentalidade, das transformações da mente além do mental, da reorientação do eixo vital, além de dar o novo sentido à vida. É nessa fase que se faz a reavaliação do que foi ou não vivido e realizado, tronando o indivíduo cada vez mais conhecedor de si-mesmo e capaz de reconhecer aquilo que lhe completa. Entende também que as relações sociais, a afetividade, a sexualidade, a memória e o entusiasmo, perduram por todo o ciclo vital, porém com determinadas transformações. Portanto, pode-se ver essa etapa como um momento de libertação das vicissitudes do ego na sua busca pelo Self, o que proporcionará, ao indivíduo, viver a vida com toda a plenitude.
Se não estiver preparado para essa passagem, a ilusão de todos os ideais e, das verdades e crenças permanecerão como eram antes.
Monteiro (2008, p.69) sintetiza o processo da metanóia:

Buscar conscientemente sentido para a vida;
Voltar a libido para o Self, ter o movimento de sístole;
Ressignificar as experiências vividas, ter maior consciência da realidade dos opostos;
Compreender a vida como um contínuo processo de auto-eco-organização;
Reconhecer o envelhecimento como sinalização de que somos seres de passagem;
Ter consciência da finitude;
Encarar a morte como meta, potencializando a vida.

Chegar à segunda metade da vida com tranqüilidade requer enfrentar o processo da metanóia, arriscando-se no mergulho ao interior na busca do Self, para forjar um ego bastante forte que suporte enfrentar as verdades e inverdades da vida além, conseqüentemente, das transformações que elas proporcionarão para atingir uma velhice saudável.
A individuação no envelhecer proporciona a transformação interna do indivíduo, tirando-o das fixações das idéias e posições assumidas anteriormente, lhe destituído a persona e, permitindo que ele se descubra como um novo sujeito e possa pensar novos objetivos para a continuidade da sua vida.

3.5 A Crisálida

Durante o ciclo vital o ser humano passa por diversas etapas de crescimento e, também, de mudanças.
Entrar e sair de cada uma dessas etapas é muito penoso e sofrido.
Na meia-idade, o processo parece ser o pior e o decisivo, pois é nesse período que os balanços e as constatações de todo processo vital são feitos.
Além disso, haverá sérios confrontos entre a persona e a sombra, e entre o ego e o Self.
Há, também, a possibilidade de uma experiência mística com o Divino.
Brehony (1999) compara esse período com a metamorfose das lagartas, que ao se transformam na crisálida, acabam se sacrificando para ressurgirem, depois, como lindas borboletas.
Como os gregos antigos associavam a psique, ou a alma, às borboletas, a metamorfose da lagarta serve como metáfora às transformações da meia-idade.
Na meia idade acontecem as mais radicais e intensas mudanças na personalidade do indivíduo, levando-o a um período de confronto psíquico, quando promove o derretimento, ou a solutio, de sua antiga persona.
Isso o faz entrar na crisálida psicológica para iniciar o seu processo de mudanças.
Para ajudar a entender esse processo da meia-idade, Brehony (1999, p.164) faz quatro considerações importantes:
1-Temos que sacrificar a crisálida, a fim de nos transformarmos em borboleta. Temos de nos desapegar de quem acreditávamos ser, a fim de nos conhecermos como realmente somos.
2-O processo no interior da crisálida é de isolamento e solidão. É uma saída do nosso modo normal de interagir com o mundo.
3-O processo é de gestação lenta. Não se pode apressá-lo nem evitá-lo.
4-O tempo no qual estamos, psicológica e espiritualmente, na crisálida oferece uma abertura, uma saída, através da qual podemos mais claramente tocar os aspectos não racionais, transpessoais, divinos, do ser humano.
Nesse período, o indivíduo está dissolvendo a sua persona como a lagarta se dissolve na crisálida. Pode, então, perceber que não é mais a pessoa que era e sente-se inseguro frente à nova personalidade que está surgindo.
Ele é obrigado a sacrificar as suas ilusões e as suas dependências infantis, através do desapego às antigas crenças e auto-avaliações, para resgatar a sua vida adulta real.
Nesse período desencadeia-se o processo de individuação, pelas forças espirituais e psíquicas, quando da entrada na crisálida.
A individuação permite a expansão da consciência e conseqüentemente o crescimento da nova personalidade do indivíduo. Porém para que tudo isso aconteça se faz necessária a descida aos ínferos do inconsciente. Essa descida é, normalmente, desencadeada por um grave problema que afeta o indivíduo, como a perda de alguém muito próximo, uma separação conjugal, o surgimento de uma grave doença e a final do ciclo de emprego pela aposentadoria.
É um período de extrema melancolia e nostalgia, onde o sentimento crescente do limite da própria vida leva ao pânico, diante da constatação da própria morte antes tão negada.
Ainda mergulhado na crisálida o indivíduo tem que lidar com a raiva de não haver aprendido a verdade sobre a vida, além de ter que perdoar a mãe que o criou e educou, mas não lhe contou as verdades da vida. É uma fase de isolamento que leva o sujeito à depressão. Porém, é nesse momento que o Self se manifesta orientando-o para que saia da crisálida renovado e livre como a borboleta.
Ao emergir da crisálida o indivíduo traz consigo uma nova espiritualidade que flui motivada pelas novas atitudes e orientações. Ele busca integrar esse aspecto negligenciado durante a primeira metade da vida adulta, quando o ego era fortalecido pela persona, para com o Self.
Os eventos internos, a personalidade consciente, a consciência do ser - e não do ter ou fazer - são indícios da integração do ego com o Self. Nesse período crepuscular da a vida, o Self dá continuidade à sua individuação e a auto realização. Porém, conforme Brehony (1999) a jornada será mais rica e autêntica, se for feita com o coração.

4 - O LIMIAR

Entenda-se limiar como a entrada ou o portal para uma nova fase do ciclo vital. É um momento de transição onde se faz a passagem de uma fase da vida para outra. Aí, o ego fica como que indefinido entre aquilo que foi e o que ainda não é. A memória quase que desaparece ou se confunde. O passado invade o presente de maneira surpreendente, e o futuro ainda não está definido em termos das suas imagens e contornos. Nele o ego parece vagar por áreas fronteiriças, separar-se do senso fixo de sua própria história e perder a identificação com as imagens internas que o sustentavam dando-lhe um sentido.
Nesse período, segundo Stein (2007), que pode perdurar por vários anos, acontecem grandes transformações como as mudanças das atitudes – extroversão e introversão, que são as formas psicológicas de adaptação do indivíduo ao mundo – e, nas tipologias – sentimento, pensamento, intuição, sensação; que se baseia num processo reflexivo o qual procura avaliar e julgar, internamente, as relações com o mundo, e percebê-lo além da lógica e da razão -, ao se permitir a emersão da função inferior - até então a menos desenvolvida – e do dissolvimento de certas estruturas psicológicas básicas como a persona; além da modificação dos padrões arcaicos de auto-regulação do ego. Essas transformações são tão profundas que provocam o surgimento de uma nova personalidade.
O limiar, diz Stein (2007), é a casa de Hermes. É o território psicológico onde o deus atua, através de sua mensagem hermética, orientando o individuo nos caminhos da vida. A cada momento de crise limiar, Hermes, o psicopompo, trará as mensagens do inconsciente mais profundo, a manifestação do Self, seja por meio dos sonhos, das fantasias, das intuições ou mesmo da sincronia de eventos simbólicos. Essas mensagens têm a finalidade de conduzir o ego levando-o a aprofundar-se nos limites da alma, para depois sair deles com toda a sua força renovada. Hermes, na realidade é o arquétipo do Self, que surge como guia e mensageiro.
Ao entrar no período limiar os indivíduos apresentam mudanças no humor, sentimentos de nostalgia, percepção das limitações da vida, pânico pela proximidade da morte e a tendência para racionalizar e negar tudo o que lhe está acontecendo. A persona confrontada é direcionamento para o Self. É o início da individuação que proporcionará ao indivíduo o poder de libertar-se das influências familiares, culturais, sociais e religiosas, e atingir certo grau de unicidade na apropriação dos fatos e influências, quer sejam externas ou internas.
Murray Stein (2007) compara esse momento da vida com a separatio no opus alquímico. Diz que é o momento da alma que vinha, no decorrer dos anos, entranhada no corpo e na matéria, libertar-se dessas amarras. É um período onde imperam a escuridão e a morte, como na nigredo, causando o desgosto, o desespero e o luto. O objetivo dessa separatio é preparar, hermeticamente, o indivíduo para enfrentar o seu próximo estágio, o unio mentalis, quando realizará a união da alma e do espírito, separados pelo corpo. Haverá então, psicologicamente, a flutuação da consciência do indivíduo que, inconsciente, fica distante dos fatos do dia-a-dia parecendo pairar sobre a terra.
Após esse desfecho virá, então, a união dos conteúdos da alma, e do espírito com o corpo, que resultará no renascimento e rejuvenescimento da pessoa.

5 – O Confronto

5.1 Despindo a Persona

Chega um momento em que, inevitavelmente, o indivíduo começa a perceber sérias mudanças na vida. O corpo dá sinais de fragilidade, não mais respondendo, como antes, às atividades mais simples. O tempo, com o qual não havia nenhuma preocupação, agora parece que é muito curto. A morte, como o final de tudo, é sentida bem próxima. Os valores morais, sociais, políticos e religiosos, são questionados. Deus é questionado. A vida é questionada. O ser é questionado. Não há mais prazer nem esperança e, um sentimento de abandono e traição surge na alma.
Segundo Hollis (1995) não há ninguém que possa salvar o indivíduo ou curar suas feridas a não ser ele mesmo. Mas, para isso a coragem é necessária, uma vez que ele deverá enfrentar a si mesmo, ou seja, despir-se da sua persona e confrontar-se com a sua própria sombra. Esse confronto significa enfrentar os complexos, rever os valores, religar-se ao divino, ter a percepção real dos seus sentimentos, reconhecer a sua decadência física e, ter a capacidade de escutar as vozes internas, que são os diálogos entre o ego e o Self.
O indivíduo, no decorrer da sua vida, desenvolve uma persona (máscara), que é a adaptação consciente do ego às condições sociais, com a qual representará um padrão de personalidade baseado na imitação, estereotipada, do papel que a sociedade a ele atribui. Assim, pode representar o papel do médico, do advogado, do religioso, etc. Ela influencia, também, as suas relações e comportamentos perante os seus pais, cônjuges, namorados, amigos, patrões e empregados. Porém essa persona, além de rígida, é frágil e quebradiça devendo ser removida, nessa etapa da vida, para que o indivíduo possa ser autêntico. Nesse momento percebe-se, então, que essa persona já está arraigada à personalidade e, que sua remoção não será fácil.
Porém, as pressões exercidas pelo próprio ego, que não mais consegue viver identificado a ela, obrigam a pessoa a buscar o próprio equilíbrio despindo-a e voltando-se para a sua realidade interior. Isso significa que, conforme Stein (2007), a crise do limiar obrigará o indivíduo a dar uma guinada, crucial de orientação, da persona para o Self.
Um paciente, com sessenta anos de idade, já aposentado, que está passando por uma grave crise de identidade e de readaptação social, revela-se mergulhado num complexo materno negativo, pois tudo fazia para que a mãe sinta orgulho dele. Quer ser o filho perfeito, o homem perfeito, o pai de família perfeito e, o profissional perfeito.
A mãe nunca viu nele um homem de verdade, ou seja, aquele que lhe realizaria os sonhos. Segundo ele, a questão do status social era, para aquela senhora, ponto de extrema importância. Queria realizar-se através dos filhos. Era ela quem ditava as normas e regras, que achava serem viáveis aos seus objetivos e todos, na família, haveriam de segui-las. Além disso, usando de artifícios, mantinha o marido afastado dos filhos sem que eles o percebessem.
Nesse ambiente o cliente começou, então, a desenvolver as suas diversas personas. Portava-se como indivíduo exemplar em qualquer situação, queria ser um homem bom aos olhos da mãe, e durante toda a vida tentou conquistar o seu amor. Assim vestiu as mais variadas máscaras, as quais deveriam ser julgadas e aprovadas pela mãe.
Esse indivíduo apresentou o seguinte sonho:

Estou na casa da minha mãe... Está havendo um velório... A casa é muito antiga e alguns quartos têm janelas para a sala. Olho por uma das janelas e vejo um esquife. Sou em quem está lá! Fico angustiado, pois sei que estou vivo... Começo a me mexer, no caixão, e a encolher no tamanho... Estou na posição fetal... Meu pai, então, diz às pessoas presentes que o velório terminou, pois, eu não havia morrido... Assisto a tudo sem falar nada, somente tenho uma sensação de angustia, muito forte! (sic)

O paciente, auxiliado pelo terapeuta, interpreta os seus sonhos associando, por si mesmo, as imagens neles projetadas àquilo que diz respeito à sua vida social e ao seu mundo psíquico. Os significados são por ele definidos e discutidos com o terapeuta.
A casa, segundo a interpretação do sonhador, representa o mundo da mãe, no qual pensava ele, estaria sempre protegido podendo, assim, alcançar o sucesso. Normalmente as mães, quase todas, se enchem de orgulho com o triunfo do filho. Porém esse mesmo orgulho que faz com que elas os acolham e os aconcheguem é aquilo que os submetem e prendem, impedindo-os de serem eles mesmos e seguirem os seus próprios caminhos.
No caixão observa a si mesmo morrendo, fato que entende como sendo o final de um ciclo por ele vivido. O seu duplo representa as suas personas de quem ele, agora, quer se desvencilhar.
Nada melhor para se livrar de alguém do que a morte desse mesmo alguém. Porém, mesmo sabendo disso, ele não tivera a coragem de ver o próprio funeral; assistira-o de uma janela, escondido.
Encolher voltando à posição fetal é a tentativa de retornar ao útero materno, na expectativa de encontrar proteção, o carinho, o amor, o afeto e principalmente a aprovação da mãe, coisas que sempre procurou.
Naquele momento, ele viu o quanto andara nas sombras, encoberto por outro eu, que não era ele verdadeiramente. Necessitava livrar-se desse outro, incômodo, para poder viver a sua própria vida.
A figura do pai, que fora ausente durante parte da sua vida, agora aparece como o orientador e o salvador, pois é ele quem suspende o velório mostrando ao paciente que ele permanece vivo, apesar de morto para o mundo da mãe. O pai vem, então, mostrar-lhe outro mundo - o mundo do pai – onde, em detrimento aos sentimentos, vigora a lei, a lógica, o poder e a racionalidade, não se dando nesse ambiente, de certa forma, muita importância aos meios para que os objetivos sejam atingidos, mas sim aos os resultados obtidos.
Stein (2007) sugere que o limiar, somente poderá ser penetrado se houver a separação dos antigos padrões de organização da libido. Mas, para que isso aconteça é necessário que haja a morte e o enterro, consciente, da personalidade anterior, ou seja, da persona.
O processo dessa separação se dará através do trabalho que o próprio indivíduo perpetrará, pois nesse instante observará que a vida já não pode mais ser vivida do ponto de vista da juventude, numa expectativa de crescimento e expansão contínuos, mas que deve ser entendida do ponto de vista da maturidade, do fim e da própria morte.
Se esse fatos acontecerem, a pessoa estará enterrando a sua persona; se não, apenas a encobrirá. E, ao encobri-la estará se decepcionando por meio de uma nova repressão e negação, que provocará a tentativa inconsciente de prolongar determinadas identificações subjetivas.
Para Stein (2007), é isso que provoca aquilo que ele chame de neurose do “puer aeternus”, pois, ela mantém o sujeito sempre na tentativa de permanecer jovem, ou por artifícios físico-químicos, ou mesmo nas atitudes em relação a si e aos outros.
Observa-se que, segundo Whitmont (1992), o ego o qual, num primeiro instante, encontra-se dentro da persona, não foi feito para permanecer nesse estado de identificação, e busca naturalmente a sua alforria. A persona que se engessou ao seu redor tenta de todas as maneiras sufocá-lo, consolidando a sua posição. Assim a pessoa, por ela possuída tem, para si, a certeza de que é fiel aos princípios mais elevados, dentro da lei, da ordem e da moral. Assim, vê-se que quanto mais a pessoa se identifica com o seu papel social, mais obscura e sombria estará a sua própria individualidade, ou seja, ser autêntico é visto com negativismo e, a autenticidade é deixada na sombra.

5.2 Confrontando a Própria Sombra:

Originada no processo de formação do ego, quando do confronto entre a coletividade e a individualidade, a sombra é um fato arquetípico humano.
De maneira geral ela faz referência àquilo que a personalidade reprimiu, em concessão ao ego ideal. Assim tudo o que foi reprimido na vida da pessoa é encontrado na sua sombra.
Normalmente a sombra se manifesta através das projeções feitas às outras pessoas. Aqueles aspectos do outro, os quais incomodam o indivíduo, podem ser para ele a projeção da sua própria sombra. Ou seja, o indivíduo não consegue diferenciar a realidade do outro dos seus próprios complexos, que são ativados, não percebendo, dessa maneira, onde está o limite entre ele mesmo e o próximo.
O reconhecimento da sombra é extremamente dificultoso e, pode causar efeitos que marcarão para sempre a personalidade consciente do indivíduo. Para esse reconhecimento é preciso que ele seja forte, e que tenha coragem e desprendimento, para que não sucumba ao peso de sua própria sombra.
Ao começar a desvendar a sua sombra, a pessoa irá deparar-se com tudo aquilo que julgou ser inferior e inviável em si e que, então, estaria prejudicando o seu ego ideal.
O indivíduo, nesse momento, dá inicio ao seu processo de separatio, que é o período em que a psique tenta separar o que realmente é seu, daquilo que lhe foi imposto no decorrer da sua vida.
Stein (2007), afirma que uma imensa cratera na identidade, entre o ego e a persona, se abrirá provocando alguns questionamentos como:
Quem sou eu agora? Quem eu parecia ser aos olhos dos outros? Como eu me via no passado?
Surge, então, o perigo de que ego, através das suas defesas naturais, faça com que a pessoa retorne à situação anterior de identificação com a antiga persona, pois é mais fácil e seguro expressar-se através dela.
Num dos seus sonhos o paciente deixa claro essa tentativa de retorno:

Tenho que voltar para a casa da minha mãe. Quero entrar lá, mas meus irmãos não me permitem... Eles soltam os cachorros no portão... Minha mãe tudo vê e nada faz para impedi-los... Ela sabe do medo que tenho de cachorros... (sic)

Nesse sonho o paciente mostra a necessidade que tem em se manter ligado à antiga persona com a qual agradou, e muito, a sua mãe.
A volta à casa da mãe está ligada ao seu complexo materno que lhe moldou a vida durante todos esses anos.
A presença dos irmãos, no sonho, traz-lhe a lembrança de que eles sempre fizeram tudo àquilo que lhes deu vontade. A mãe não tinha muita influência sobre eles. Acha que por isso a vida deles foi mais proveitosa do que a sua, que sempre viveu à sombra da mãe. Tudo fazia para obter a aprovação e o amor dela.
Olhando si, encontra um indivíduo extremamente diferente daquele que sempre foi. Sente-se frustrado consigo por não ter feito da sua vida aquilo que quis, alegando que sempre foi extremamente correto e serviu a todos, sem pensar em si um momento sequer. O que vê e percebe causa-lhe pavor, medo e raiva.
As dúvidas, segundo ele, o atormentam:


“Como ser aquilo que realmente sou? Assumir a mim mesmo, nessa altura da vida, vai causar problemas para muita gente... Mas eu tenho que ser feliz, apesar de tudo...” (sic).

Os problemas enfrentados no momento da separatio estão, de acordo com Stein (2007), ligados à identificação da persona com a personalidade anterior que procura negar todos os fatos constatados na sombra, para não ter que lidar com as “perdas” as quais uma possível mudança, interna e externa possa acarretar-lhe.
A tomada de consciência através da sombra vem carregada de tensões das quais o indivíduo, em processo de transformação, procura evitar sempre. Como a sombra não pode ser eliminada, o que resta á pessoa é o seu reconhecimento, com humildade e coragem, para que se possa confrontá-la.
Sabe-se que nela estão constelados os problemas com implicações individuais e coletivas através das discriminações econômicas, sociais, raciais e, até mesmo, as nacionais.
Assim sendo, Whitmont (1992), diz que todas as minorias carregam a projeção da sombra das maiorias, pois ela é o arquétipo do inimigo.
Jung diz da necessidade da confrontação e da aceitação da sombra:

O reconhecimento da sombra conduz à modéstia de que precisamos a fim de reconhecer a imperfeição. E é exatamente esse reconhecimento consciente e essa consideração que são necessários onde quer que se estabeleça um relacionamento humano. Um relacionamento humano não se baseia na diferenciação e na perfeição, pois estas apenas enfatizam as diferenças ou trazem à tona o oposto exato: ele se baseia isso sim, na imperfeição, naquilo que é fraco, indefeso e carente de apoio – a própria origem e razão da dependência A perfeição não precisa dos outros, mas a fraqueza sim, pois ela procura apoio e não enfrenta o parceiro com qualquer coisa que possa forçá-lo a uma posição inferior e até mesmo humilhá-lo... Na vida real, exigem a grande arte de ser simples: portanto a aceitação de si mesmo é a essência do problema moral e a prova dos nove de toda a perspectiva de vida da pessoa. (Jung, apud Whitmont,1992, p.151)

5.3 O Mergulho nos Ínferos:

Se trouxeres à tona o que está dentro de ti, o que é trazido à tona te salvará. Se não trouxeres à tona o que está dentro de ti, o que não trouxeres à tona te destruirá. (Evangelho de Tomé, apud Hollis, 1995, p.8)

O reino de Hades; na mitologia grega representava os ínferos, ou seja, do mundo subterrâneo ou mundo avernal e, na psicologia analítica, está ligado ao inconsciente. Assim, quando o indivíduo entrar nesse reino fará contato com tudo àquilo que reprimiu e negou, em si e para si, durante a sua vida e, fará contato com as mais obscuras e profundas regiões da sua sombra.
Guiado por Hermes, ele enfrentará as suas ansiedades, culpas, dores - pelas perdas e traições –, dúvidas, medos obsessões, raivas, vícios e com a própria solidão.
Num outro sonho o paciente relata a sua repugnância e medo à percepção desse mundo inferior:

Estou na sala de estar do casarão onde morava na minha infância. Devo estar com uns 14 ou 15 anos... As portas dos quartos dão para essa sala... Do quarto da minha mãe, saem várias serpentes... Tento matá-las... Percebo que do compartimento, fechado, sob a mesa também saem muitas serpentes. Abro esse compartimento e, encontro um covil... (sic)

Olhar para dentro de si tornou-se, para ele, algo torturante, pois foi obrigado, por si mesmo, a enfrentar as suas próprias verdades e desmistificar, para si, a figura da mãe a quem endeusara.
Essa mãe sempre exerceu sobre ele um domínio o qual não sabia explicar. Como já expôs antes, as suas atitudes eram tomadas em função da aceitação pela mãe. Tudo o que fazia e produzia tinha que ter a aprovação, mesmo que subjetiva, dessa mãe. Via, portanto, esse domínio como serpentes.
Nota-se que no sonho elas saem do quarto materno e criam o seu covil sobre a mesa, que também é um símbolo do reino da mãe, pois é ali que os alimentos são colocados e distribuídos.
As serpentes sempre fascinaram a humanidade, seja pela admiração ou pelo medo, que sempre despertou no ser humano.
Em todas as mitologias as serpentes aparecem, ora como um ser maléfico e demoníaco, ora como o elemento de cura e transformação do ser humano.
No mito judaico-cristão, ela se destaca nas duas concepções: como a demoníaca tentadora de Eva, no paraíso, e como elemento de fé e cura, quando da travessia do Sinai, pelos hebreus, durante o êxodo e que foi narrada no livro dos Números (Bíblia Sagrada NM 21,4-9).
Já na Grécia, Heracles o maior de todos os heróis gregos, filho do deus Zeus com a mortal Alcmena, também enfrenta e mata as serpentes mandadas contra ele, pela deusa Hera, a esposa ciumenta do divino olímpico.
Combater e matar as serpentes interiores torna-se, para o indivíduo, também, um trabalho hercúleo.
Para o sonhador essas serpentes representavam tudo o que viveu, contra a sua própria vontade, para que fosse admirado e amado pela sua mãe e, aceito e respeitado pela sociedade. O medo e a angústia tomam conta de si, provocando-lhe a sensação de abandono e desamparo. Tem, nesse momento, que optar entre a sua libertação e autenticidade ou o eterno domínio da figura materna. Relata a percepção da sua vida como algo podre que precisa ser limpo com urgência, mas que ele ainda não tem forças para tal.
Num outro sonho, vê a sua luta para efetuar a limpeza interior obter êxito:

Há um vaso sanitário, branco, cheio de fezes... Tenho que desentupi-lo! Pego uma corda de nylon, dessas de varal, e começo a enfiá-la no vaso... Para minha surpresa ela entra vaso adentro como se fosse um pedaço de arame! Quando a corda está toda dentro do vaso, surge uma serpente, de olhos vermelhos e coloração cinzenta, com desenhos retangulares em preto... A serpente, em meio aquela sujeira toda, dá um bote e pega um peixe prateado. Mostra-me o peixe, olhando nos meus olhos e some vaso adentro. Nesse instante o vaso se desentope... (sic)

Para ele a corda de nylon, representa a sua fragilidade para enfrentar todo o seu processo interno.
A serpente, ainda ligada ao reino da mãe, mostra-lhe agora a possibilidade da cura, pois ela traz na boca um peixe de prata.
O peixe como símbolo antigo do cristianismo simboliza Aquele quem cura todos os males, da alma, do corpo e do espírito.
A prata está ligada à lua alquímica, ao feminino criativo, à fecundidade.
Os olhos vermelhos da serpente lembram a rubedo, o quarto e último estágio no processo alquímico, quando se atinge a iluminação, pois é através dos olhos internos que se pode ver e perceber a alma.
Com essa tomada de consciência de si, tem-se a perspectiva de um contato maior co o Self. Começa, então, a caminhada nessa direção, com o resgate da anima, a parte feminina e criativa da psique, pois é ela quem auxiliará o seu novo ego a aproximar-se e reconhecer o Self.
O reconhecimento do Self permitirá que ele se estabilize, paulatinamente, como guia da consciência direcionando o indivíduo a uma nova integridade.
Para Stein (2007), essa nova personalidade, agora, fundada no Self, não mais estará ligada aos fatores externos, como por exemplo, os reforços e os ensinamentos das figuras paternas e maternas como modelos das influências e das expectativas culturais, além das pressões coletivas.
Esse é o momento em que guiado por Hermes, o indivíduo fará a caminhada de volta do Hades, ao encontro da luz. É importante, porém, que nesse resgate esse indivíduo tenha confiança em si mesmo e, desapego a tudo aquilo que ficou no seu passado. Qualquer vacilo, ou tentativa de resgatar algumas das situações anteriores o fará olhar para trás e, então, ele será tragado de volta ao mundo subterrâneo, de onde não mais sairá.

6 – O Ressuscitar

6.1 O encontro com a alma

Conforme Stein (2007), é o mergulho nos ínferos que, no limiar, inicia o processo de individuação e faz com que o indivíduo confronte-se com os arquétipos da anima ou do animus. Esse confronto leva a pessoa, guiada por Hermes, a mergulhar ainda mais fundo nas profundezas do Hades. É nesse momento, então, que se desencadeia a crise da meia-idade.
Para Jung (apud, Prétat, 1997, p.79), o processo de envelhecimento faz surgir novas qualidades sexuais nos indivíduos os quais foram menos conscientes e, por conseguinte, menos desenvolvidas. Nas mulheres, com as características masculinas não desenvolvidas, a sua afirmação aparece como a de um menino pelo animus; no caso dos homens a manifestação da anima se dá pelo charme sedutor, agressivo, cativante e carinhoso de uma menina.
Stein (2007), afirma que essa crise vem acompanhada de uma forte regressão da libido, que provoca a intensidade das emoções, o humor instável e uma impulsividade bastante áspera.
Para ele o indivíduo, nessa fase da vida, desenvolve um padrão de comportamento e um estado de espírito semelhante aos dos adolescentes, que são capazes de desestabilizar a consciência do ego, do adulto “normal”. Sendo assim o sujeito passa a comportar-se como se ainda estivesse na adolescência ou na juventude.
Pode-se observar isso através da maneira como se vestem, dos locais que passam a freqüentar, das companhias, etc.
Esse confronto contra-sexual, que é exclusivo do período limiar e é proporcionado pela descida ao Hades, dará a oportunidade do encontro com o Self, que se mostra através das imagens das verdades e da sabedoria.
É desse encontro que surge a estrutura da nova pessoa que está emergindo, além da consciência das tarefas da vida as quais não foram ainda realizadas.
O paciente apresenta um novo sonho e, a sua reação em decorrência dele:

Uma jovem que me traz muita paz me diz: Por que você não fica comigo... Acordo! Após esse sonho eu me senti muito bem durante todo o dia... Havia muita paz no meu coração... Sabia que alguém gostava de mim. (sic)

Nesse momento ele toma contato com a sua anima, que lhe faz uma cobrança para que ele a aceite, deixando de lado as suas atitudes frias, duras e sem sentimentos, extremamente masculinas. Seguir a anima é deixar os sentimentos e a criatividade eclodirem do fundo da alma; é viver a vida em paz consigo sem ter o medo de demonstrar os sentimentos mais profundos Ela o induz a libertar o coração, e livrar-se das amarras do mundo masculino.
Num outro sonho, o paciente relata:

Estou numa pousada... O terreno tem três níveis... No mais alto fica o prédio de apartamentos, no nível intermediário a piscina e, no terceiro, bem longe, a praia. O dia está chuvoso... Mergulho na piscina, mas quando estou caindo verifico que não há muita água... Tem somente um palmo de água lodosa e barrenta... Além disso, a piscina está cheia de papéis de sorvetes e pontas de cigarros. Imediatamente, com uma das mãos coloco um travesseiro à minha frente e retorno do mergulho, dando um impulso para trás. Lá, ao longe, no terceiro nível, vejo a praia de areias finas e o mar muito azul, quebrando em espumas brancas. O dia está ensolarado... À beira da piscina, ainda sob a chuva, está deitada uma linda jovem... Ela me olha com carinho... Tira o sutiã, sob a camiseta, o que não me impede de ver os seus mamilos e os pelos das suas axilas... Ela parece não se importar... Ela se levanta e me conduz à praia ensolarada...
Toma-me pela mão e me leva para as águas azuis e salgadas do mar... Num gesto de carinho deita o seu corpo sobre o meu, mas não encosta-se em mim. Fica curvada como um arco... Estou em estado de graça... Então ela segura as minhas mãos e fala olhando-me nos olhos: Lembra-se que sempre estarei com você! (sic)

Para o paciente, o prédio no primeiro nível do terreno representa a sua vida externa. O prédio é aquilo que pode e deve ser mostrado às pessoas. Ele é imponente e aparenta ter uma construção sólida. A piscina com a água suja e lodosa mostra a sua vida interior, com seus vícios e os diversos papéis os quais é obrigado a representar.
Ao voltar à borda da piscina olhar percebe a mulher, que representa a sua anima. É ela quem faz despertar, nele, uma nova sexualidade, a qual acreditava adormecida.
Ao conduzi-lo ao mar ela dá a ele a chance de recuperar a vida a qual parecia acabada, pois daquelas águas, limpas e salgadas, é que se originaram todos os seres vivos do planeta. O mar representa, conforme Jung (apud, Edinger, 1991:330), a morte para os que estão inconscientes; porém para aqueles que atingem a consciência, o mergulhar nas águas é entrar na pia batismal e receber o batismo do renascimento e da transcendência.
A jovem, que representa a sua anima, o conduz à conjunção sagrada como a de Nut e Geb, os deuses primários do antigo Egito, que tendo seus corpos separados por Shu, o deus egípcio que representa a atmosfera e a elevação, tornam-se mais conscientes de si mesmos.
Edinger (1991), afirma que essa separatio proporciona a consciência dos contrários sendo, portanto, uma característica essencial para consciência emergente e, que a anima que conhece o inconsciente faz a ligação com a fonte da vida, nele contida.

6.2 A tomada de consciência

Uma vez que o indivíduo, como diz Stein (2007), penetrou nos domínios da morte, ele provocará o processo de dissolução das suas velhas estruturas emocionais esse preparará para reformar-se, em torno do seu novo cerne psicológico.
Pressentindo o final da crise o indivíduo é levado a ter novas certezas, novas atitudes e opiniões que poderão endurecê-lo e fazer com que tenha uma atitude regressiva no seu processo de individuação.
Assim sendo, ele deve procurar de toda forma, continuar em contato com a sua experiência do limiar, não se preocupando que isso o confronte com a essência das suas novas estruturas recém- adquiridas.
Para que os esforços impetrados ao buscar a libertação da alma tenham sucesso, o indivíduo deverá ser capaz de dizer a si mesmo:

Eu não sou o que me aconteceu; eu sou o que escolhi ser. Eu não sou os papeis que represento; eu sou a minha jornada. Eu não sou a minha experiência limitante; eu sou o poder criativo do meu potencial. (Hollis, 2006, p.175)

A possibilidade de que essas máximas possam ocorre,r em qualquer momento da vida, está ligada ao processo de desenvolvimento do indivíduo, bem como do seu amadurecimento.
Tomar consciência de si é um processo extremante doloroso.
A pessoa fica obrigada a defrontar-se com tudo aquilo que lhe foi, ou pareceu sagrado, por muitos e muitos anos.
Tem, ela, que reavaliar toda uma vida e destruir todos os dogmas e tabus, que lhe foram impetrados, os quais ela carregou durante todo o seu processo vital.
É perder toda a ingenuidade e ser obrigada a assumir sozinha a responsabilidade pela própria vida! É perder, como Adão e Eva, o paraíso!
Meses antes de deixar a sua terapia, por já se considerar apto para enfrentar a vida por si mesmo, o paciente apresenta o seguinte sonho:

Estou no quintal da casa em que eu morava, na minha infância... O quintal era dividido em duas partes, numa havia um pequeno pomar e uma horta e, noutra as galinhas. Estou sob a laranjeira que havia no centro do galinheiro... Uma enorme serpente desce da árvore e tenta, sem que eu perceba, abocanhar a minha cabeça... Meu pai aparece no portão que separa os quintais e diz que é para eu não me mexer A serpente então se espeta num espinho que lhe transpassa a garganta e faz com que o seu sangue caia, em gotas, sobre mim. Meu pai me diz: Agora você está salvo! (sic)

Este sonho mostra a tomada de consciência pelo sonhador, que logo pode assumir a direção de sua nova vida despindo-se das suas várias personas, e libertando-se do jugo do mundo materno, ao encontrar o seu Self.
O galinheiro representava para ele o universo da grande mãe, onde ele se percebia preso. A laranjeira foi associada à árvore da vida.
A serpente trespassada lembra a coagulatio alquímica, onde ela aparece numa cruz ou numa árvore.
A coagulatio é um processo de transformação, provocado, segundo Edinger (1992), pela ação dos movimentos psíquicos que promovem o desenvolvimento do ego.
Na verdade,

A substância a ser coagulada é o mercúrio fugidio. Trata-se do Espírito de Mercúrio acerca do qual Jung escreveu amplamente. Ele é, em termos essenciais, o espírito autônomo da psique arquetípica, a manifestação paradoxal do Si-mesmo transpessoal. Submeter o Espírito de Mercúrio à coagulatio significa nada menos que ligar o ego com o Si-mesmo, realizar a individuação. (Edinger, 1992, p.103)

A coagulatio dá forma e visibilidade àquilo que antes era imperceptível.
Banhar-se no sangue da serpente, é buscar a imortalidade psíquica.
O sangue no qual ele se banha, assim como o fez Sigfrid no mito germânico, tem o poder de preservar a vida. Por outro lado, assim como o fez Jesus, a serpente também derrama o seu sangue pela salvação daquela alma.
O sangue é o símbolo da redenção, da salvação.
O pai, que o orientava, foi identificado como sendo a manifestação da personalidade mana do Velho Sábio.
Essa personalidade é uma manifestação simbólica do próprio Self.
Para Middelkoop (1996), o Velho Sábio é a figura interna de alguém que toma as iniciativas a respeito do indivíduo agindo como o seu guia e orientador, nos bastidores da psique.
Após esse sonho o paciente relata ter sentido, pela primeira vez, que havia tomado consciência de si mesmo, isto é, podia ser ele mesmo sem a obrigação de agradar a quem quer que seja.
Começou, então, a tomar novas atitudes em relação a sua vida:
Retomou à sua crença religiosa, buscando a religiosidade e não a religião, e reviu o relacionamento com os filhos, tornando-se um pai mais amoroso e participativo
Também, conseguiu libertar-se daquilo a que chamou o “fardo do casamento” e replanejou a sua vida financeira e retomou a sua vida profissional.
Agora ele dizia saber:

Ser capaz de simplesmente aceitar e colocar em prática, imediatamente, certas idéias que não contêm quaisquer complexidades em si mesmas, mas que são, na verdade, absolutamente simples e alcançam resultados plenos de responsabilidade para o futuro. (João XXIII, apud Brennan/Brewi, 200, p.44)
7 – Considerações Finais

As pessoas não querem, de maneira alguma, que ao envelhecer sejam tratadas de forma diferente dos demais cidadãos. Não querem ser vistas como seres especiais. Querem, sim, ter o direito de viver as suas vidas da maneira que melhor lhes aprouver.
Os indivíduos que estão no limiar, na sua maioria e, de acordo com as suas condições físicas, intelectuais e culturais, desejam mudanças profundas nas suas vidas e, assim, rejeitam a visão de que as suas vidas estão limitadas às reuniões sociais de idosos, ou aos programas de lazer dos governos ou de algumas entidades assistenciais.
Eles afirmam que são produtivos, dentro das suas limitações intelectuais e físicas, e que querem ter o direito de optar por aquilo que lhes pareça mais adequado e melhor às suas vidas.
Porém, para que isso aconteça é necessário que tenham a oportunidade de rever os seus conceitos, sobre a própria vida e possam, efetivamente, entender o significado do envelhecimento sem ter medo de ser, nessa nova fase, aquilo que realmente se é.
Como vida é um processo dinâmico de desenvolvimento, que parte da infância e culmina com a morte nos anos maduros, depois da meia-idade, tem-se que entender que:

Há tanto a ser feito e tantas crises de desenvolvimento a serem enfrentadas, não somente após o quinto ano, mas também após o trigésimo quinto, após o qüinquagésimo e mesmo após o septuagésimo quinto...
Estamos começando a perceber que na vida estamos sempre em um processo psicológico, e assim sujeitos ao fluxo interno de mudanças. (Stein, apud Brennan e Brewi, 2004 p.42)

O período limiar induz o sujeito à busca de novas experiências psíquicas, pois provoca o chamamento para a jornada interna que, com a ajuda de Hermes, objetivará a integração da consciência com os elementos internos da psique.
Toda a tranqüilidade do indivíduo na fase madura, em relação à sua vitalidade e à sua saúde, dependerá do sucesso que obteve, ou não, na transição pelo período limiar. É no limiar que entenderá e aceitará a sua sombra, revisará a sua história de vida; perdoando-se por todas as suas falhas e inconseqüências; aprenderá a lidar com as suas limitações, a superar as suas perdas e, resgatará a sua espiritualidade.
Brennan e Brewi (2004) afirmam que quanto mais se trabalhar a transição da meia-idade para a idade madura, o limiar, maior será a capacidade de a pessoa continuar a sua jornada, sem carregar o peso das desilusões e das angústias decorrentes da velhice, pois esse trabalho requer que elas consigam despir-se das suas diversas personas, as quais carregaram durante toda a vida, e que se tornem autênticas consigo mesmas.

Quem quer que transfira para o entardecer a lei da manhã – ou seja, os objetivos da natureza – precisam pagar por isso com estragos em sua alma... (Jung, apud Brennan e Brewi, 2004, p.43)

No caso do paciente em questão, o analista o apoiou e o encorajou na sua jornada pelo mundo psíquico, e a enfrentar os seus medos.
Ele conseguiu olhar para a sua sombra e ao integrá-la, descobriu a si mesmo. Descobre-se verdadeiro. Assim ele pode, despir as suas personas.
Ao despi-las ele se tornou um indivíduo autêntico e liberto. Percebeu que não havia mais a necessidade de se render às convenções sociais.
Sente que já não mais será necessário viver em função de saciar os desejos da mãe para obter o seu amor. Fica, então, com a certeza de que pode amar e ser amado, assim como é, e pelo que é.
Assim, entende-se que o papel do psicólogo, que se propõe a trabalhar com os indivíduos nessa fase, seria o de ajudá-los a atravessar à conturbada e desesperadora crise do limiar dando prosseguimento ao processo de individuação que somente irá ocorrer quando elas conseguirem se despir das suas diversas personas, as quais carregaram durante toda a vida e, tornarem-se autênticas consigo mesmas. A idéia é que se possa desenvolver um trabalho realmente direcionado às pessoas que estão no processo limiar

8 – Referências Bibliográficas:

BEAUVOIR, S
. A velhice 4. ed. Tradução de Maria Helena Franco Monteiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

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Um comentário:

  1. Olá Sr. José Maria, é com grande prazer que li atentamente aqui sua postagem sobre o limiar-envelhecimento-velhice, porém gostaria de saber se tem um endereço de email,e se assim me permite que eu possa lhe enviar uma questão na tentaiva de esclarecer uma dúvida sobre uma questão a respeito da velhice e um conceito da teoria junguiana, que estou buscando compreender p encaminhar um trabalho de pesquisa. Agradeço muitíssimo se puder atender meu pedido. BETE LANDMANN

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