segunda-feira, 12 de abril de 2010

A Lenda do Graal


A LENDA DO GRAAL


O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo.


(Fernando Pessoa – Ulisses)

Introdução

A essência das lendas é o MITO, ou seja, é a crença que se tem nos deuses e, que se estabelece de acordo com o desejo dos povos, através dos tempos.
O mito expressa um conhecimento muito antigo da humanidade, ou seja, o saber primordial. Trata da criação do mundo, dos heróis e dos ritos de iniciação, permitindo que se tenha a compreensão e a clareza dos fatos através dos seus significados. Sua linguagem nasce do inconsciente coletivo e não se expressa à razão, mas à totalidade do ser, e tem o poder de fazer o religare. Ele é atemporal, imutável, eterno e atual, além de ser um objeto de fé. Ao nível bastante arcaico, permite o despertar do profano para o sagrado, pois através dele consegue-se explicar os mistérios da vida e da morte, tornando-os suportáveis para a humanidade.
Ele, cercado de mistérios, carrega o respeito, a reverência, a frustração, além do anseio e da insinuação por algo muito mais amplo, no mundo invisível, que só se pode entender pelas suas metáforas e pelos seus simbolismos.
Nossos antepassados personificavam os sentimentos (amor, raiva, ódio) como deuses, pois os entendiam como sendo possessões do espírito muito poderosas, carregadas de afeto.
Qualquer pessoa pode se defrontar e se envolver com um mito específico, oqual, muitas vezes a prende, de uma forma silenciosa e constante, por toda a vida..
Como é uma representação espontânea, vinda do inconsciente, de verdades psicológicas e espirituais, o mito traz à consciência valores que contêm uma carga psíquica e uma dinâmica que se mostram, quase sempre, independentes do controle do ego constituindo, assim, a nossa história tribal.
Enquanto o sonho traz à pessoa uma verdade psicológica sobre si mesma; o mito mostra a verdade psicológica de um povo ou mesmo de toda a humanidade.
Na análise, a maior parte de nossas dificuldades vêm da perda de contato com os nossos instintos, com a sabedoria antiqüíssima e não esquecida que se encontra guardada em nós (Jung apud Hollis, 2005, p.17-18).


O Mito

Durante séculos a Demanda do Graal; do poeta francês Chrétien de Troyes, escrito por volta de 1.180; tem sido motivo de fascinação e mistério para a civilização ocidental e cristã.
O mito do Graal leva às reflexões psicológicas, por conter muitos elementos, vindos do inconsciente, que envolvem o homem ocidental pelos seus mistérios e significados. Surgido numa época em que a anina começava a atingir a consciência masculina, de uma forma peculiar, trata da importância e da dificuldade que o homem tem em torná-la consciente e relacionar-se com ela.
Segundo Johnson (1987), a lenda do Graal é, fundamentalmente, a história de como acontece a individuação na psique humana.


A Lenda (resumo)

O Cálice da Última Ceia é guardado num castelo cujo rei sofre, continuamente, por causa de uns ferimentos. Essas feridas nunca se cicatrizam e fazem o rei sofrer constantemente.
O rei é ferido no início da sua adolescência quando ao comer um salmão, o qual assava num espeto, queimou os dedos e feriu a coxa. Por causa desse incidente, com o peixe, torna-se conhecido como o Rei Pescador. Sofre, também, por não poder mais gerar, pois seus testículos haviam sido feridos. Por causa disso todo o seu reino tornou-se estéril e, o seu povo vive numa grande desolação.
O Rei Pescador habita o castelo que guarda o GRAAL, porém não pode tocá-lo e, nem ser curado por ele.
Certa vez, o bobo da corte profetiza que um tolo, absolutamente ingênuo, chegaria ao castelo e quebraria o encanto.
Isolados numa floresta vivem um garoto e sua mãe, viúva, de nome Coração Partido. O menino somente saberá o seu próprio nome mais tarde: Parsifal.
A intenção dessa mãe era proteger o filho dos perigos e da morte, pois o marido, que era cavaleiro, morrera ao tentar salvar uma donzela e, os seus dois outros filhos morreram nas pelejas. Ela, então temendo pela vida do filho pequeno embrenhou-se com ele na floresta, com o objetivo de criá-lo com segurança, longe dos dissabores da corte.
Parsifal veste roupas grosseiras tecidas em casa, não tinha instrução e não fazia perguntas. É simples e ingênuo.
Um dia vê passar cinco cavaleiros ostentando as suas armaduras brilhantes. Fica fascinado e, quer segui-los!
A mãe, mesmo com medo de que algo possa acontecer-lhe, dá-lhe a sua benção e o aconselha a respeitar as donzelas; ir à igreja todos os dias; e não fazer perguntas alguma.
Parsifal sai, então, à procura dos cavaleiros...
Encontra uma tenda e pensando ser uma igreja adentra a ela. Lá, vê uma donzela usando um lindo anel e, lembrando-se dos conselhos da mãe, abraça-a e lhe toma o anel. Também seguindo a orientação materna senta-se à mesa e saboreia os alimentos ali expostos. Aflita a moça pede a Parsifal que vá embora, pois seu noivo está para chegar e pode matá-lo.
No caminho depara com um mosteiro abandonado e promete restaurá-lo e retirar o seu encantamento quando tiver tempo.
Na jornada depara com o Cavaleiro Vermelho que vinha da corte do Rei Arthur. Fica encantado com sua armadura brilhante e com os seus adornos vermelhos. Diz-lhe, então, que também quer ser cavaleiro e, é enviado por ele à corte de Arthur.
Já em Camelot, Parsifal depara com uma jovem que não ria há seis anos. Ao vê-lo ela dispara a rir, quebrando o encanto e anunciando a chegada do grande cavaleiro. Arthur, então, o sagra cavaleiro e permite que ele se apodere da armadura, das armas e da montaria do Cavaleiro Vermelho. Parsifal encontra o cavaleiro, mata-o e veste a armadura sobre suas roupas grosseiras. Armado como cavaleiro vai para o castelo de Gournamond, onde é treinado como cavaleiro. Gournamond, diz-lhe que quando encontrar o Graal faça-lhe a pergunta: A quem pertence o Graal?
Lembrando-se da mãe parte para buscá-la, mas descobre que ela já havia falecido. Encontra, após um tempo, com a donzela Branca Flor, pela qual se encanta colocando-se ao seu serviço. A partir daí tudo o que fizer será para servi-la. Depois de libretar-lhe o castelo ,que estava sitiado, e passa a noite com ela.
No dia seguinte encontra dois homens pescando num barco. Um deles o convida a passar a noite no seu castelo. Parsifal aceita e, lá chegando, depara com o Rei Pescador; o homem que o havia convidado. Presencia, na hora da ceia, uma cerimônia na qual quatro jovens carregam uma espada que sangra sem parar, e uma jovem leva o Graal. Parsifal não faz perguntas. No dia seguinte todas as pessoas e o castelo haviam sumido.
Dois cavaleiros de Arthur o vêm buscar levando-o para a corte, onde é recebido com muita pompa.
No meio da festa aparece uma donzela horripilante, montando uma mula decrépita, que enumera todos os defeitos e falhas de Parsifal. Com o dedo em riste, diz que tudo é culpa dele, por não haver feito a pergunta. Determina tarefas a todos os cavaleiros. A Parsifal diz que volte a procurar o Graal. e que quando o encontrar faça-lhe a pergunta.
Parsifal se vai... Passa por muitas aventuras e se esquece do Graal, de Blanche Fleur e da Igreja. Certo dia encontra uns peregrinos que lhe perguntam o porquê de estar armado numa Sexta-Feira Santa. Sente-se muito mal e com remorso. Acompanha-os até um eremita, com quem se confessa. O eremita dá-lhe a absolvição e manda-o ir imediatamente ao castelo do Graal.
O poema original termina aqui, porém outros autores deram-lhe continuidade. Numa dessas versões Parsifal chega ao castelo e faz a pergunta obtendo a resposta: “O Graal serve ao Rei do Graal”.


Os Arquétipos


Observamos que a busca do Graal está relacionada à busca do Self. Para encontrá-lo o ego tem que despir-se de toda a sua arrogância, não podendo estar inflado ou sentindo-se poderoso.
Parsifal é ingênuo e limitado como muitos Heróis. Atua de acordo com a sua intuição ou obedece à orientação de alguém mais experiente. Porém nunca raciocina ou pensa sobre o fato.
Coração Partido, a mãe de Parsifal, apresenta-se de uma forma ambígua, pois enquanto nutre e protege o filho, ela também o destrói, fazendo-o permanecer individualista e ignorante do mundo. É ao mesmo tempo a Mãe Nutridora e a Mãe Devoradora.
Ao encontrar o Cavaleiro Vermelho, nosso herói o mata ficando com a sua armadura. Nota-se que essa armadura é vestida sobre as roupas grosseiras, que lhe cobrem o corpo. Temos aqui o simbolismo da Persona, através da armadura, que o faz sentir-se como um cavalheiro sem que o seja efetivamente. É, também, importante lembrar que é essa persona que o guiará e salvará em muitos momentos de sua aventura.
No castelo do Graal Persifal tem contato com a figura masculina do Rei Pescador, o Animus, que tentará através da pergunta, recebida, incluí-lo no mundo adulto.
Durante o banquete Parsifal vê um cálice é carregado por uma dama, em procissão. É o Graal que a todos atende... É um dos mais antigos símbolos do feminino
A espada que sangra representa o poder do masculino e, é oferecida através da anima. Ela é mostrada e dada a Parsifal para que ele tenha o domínio do mundo e da vida. Representa, também, a espada da justiça; do julgamento, da ira e da vingança.
O sangue é o ”principium vitae”!
Branca Flor, a figura da anima, é abandonada por nosso herói em função do amor dele pela mãe. Mas é através dela que Parsifal é efetivamente separado da figura materna, e inicia a sua própria maneira de ser e viver. Ele descobre por meio de Branca Flor a sua masculinidade e a experiência da mulher real.
A Sombra surge na figura da donzela horripilante e sua mula decrépita, acusando-o e mostrando a ele todas as suas imperfeições. Isso obriga-o a refletir sobre si mesmo, buscando encontrar-se. Essa busca, dura cinco anos, segundo algumas versões e vinte conforme outras.
Nesse período Parsifal esquece-se de Branca Flor, a sua anima, tornando - se mais duro mais amargo e cada vez mais desiludido. A sua vida parece que não tem sentido.
É, numa Sexta-Feira Santa, que Parsifal dá conta de si mesmo. Ao encontrar os peregrinos que procuram a Santa Madre Igreja, busca com eles o refúgio para a sua alma e alívio para os desencantos e dissabores da sua vida.
Comovido os acompanha e encontra um eremita, O Velho Sábio, que é a representação da sabedoria, do masculino. O eremita o induz à retrospectiva de sua vida e lhe dá a absolvição. Diz-lhe para voltar ao Castelo do Graal e que dessa vez faça a pergunta.
O Castelo do Graal, não existe; é a representação de uma realidade interna, uma experiência de alma. Existe só na consciência.
Psicologicamente significa que Parsifal terá que olhar para dentro de si mesmo e fazer a indagação: A quem serve o Graal? Obterá, então, a resposta: O Graal serve ao Rei do Graal... (O Self)



BIBLIOGRAFIA

BÉGUIN, A. BONNEFOY, Y. (org.). A Busca do Graal. Tradução de José Maria da Costa Villar. São Paulo: Paulus, 1997.

FRANZ, M. L. Mitos de criação. Tradução de Maria Silvia Mourão. São Paulo: Paulus, 2003.

GREENE, L. SHARMAN-BURKE, J. Uma viagem através dos mitos: o significado dos mitos como um guia para a vida. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

HOLLIS, J. Mitologemas: encarnações do mundo invisível. Tradução de Gustavo Gerheim. São Paulo: Paulus, 2005.

JAFFÉ, A. O mito do significado: na obra de C. G. Jung. Tradução de Daniel Camarinha da Silva e Dulce Helena Pimentel da Silva. São Paulo: Cultrix, 1992.

JOHNSON, R. A. HE: a chave do entendimento da psicologia masculina: uma interpretação baseada no mito de Parsifal e a procura do Santo Graal, usando conceitos psicológicos junguianos. Tradução de Maria Helena de Oliveira Tricca. São Paulo: Mercuryo, 1987.

JUNG, E. FRANZ, M. L. A lenda do Graal: do ponto de vista psicológico. Tradução de Margit Martincic. São Paulo: Cultrix, 1991.

MEGALE, H. (org.) A demanda do Santo Graal: manuscrito do século XIII. São Paulo: T. A. Queiroz: Edusp, 1998.

PAZ, N. Mitos e ritos de iniciação nos contos de fadas. Tradução de Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 1994.

7 comentários:

  1. Muito esclarecedor, ajudou-me muito.
    Parabéns.

    ResponderExcluir
  2. conto interessante, com muitos detalhes
    significativos.

    ResponderExcluir
  3. É maravilhoso ver temas como este serem compartilhados! Parabéns!

    ResponderExcluir
  4. Conciso, esclarecedor e muito útil para quem quer aprofundar na força do mito de Parsifal. Obrigado!

    ResponderExcluir
  5. encontrar o AS DE COPAS ( carta do baralho comum) no meio da rua e achar esse texto no mesmo dia... sincronicidade existe!

    ResponderExcluir
  6. Muito Obrigada! Estou fazendo um Trabalho sobre o Graal e sua bibliografia é maravilhosa!

    ResponderExcluir
  7. Bom dia,

    Sou introvertido sensitivo. Jung para mim é básico. Não tenho formação em Psicologia. Li e continuo estudando Jung para tentar compreender a mim mesmo.
    Parabéns pelos seus textos.
    Grande abraço.

    ResponderExcluir